Todos os presidentes da Nova República, de 1985 a 2020, governaram dentro da frigideira da política. Nenhum deles, diante da gordura quente, se comportou com mais serenidade do que José Sarney. Não amaldiçoou a realidade, não botou para quebrar, não convocou passeata, não agravou a crise mundial, não ameaçou a democracia. Antes, encurtou seu mandato.
Temos certa má tradição de cada presidente eleito que chega ao Palácio mudar a mesa de lugar, o quadro da parede, os heróis nacionais, como se fosse comum, por arbitrárias escolhas, vestir o omofhorion ortodoxo dos seus costumes familiares.
Abra os olhos e veja. Infelizmente, embora o fenômeno seja mundial, não estamos na crise do mesmo jeito. Basta observar a forma desgraciosa de governar do Presidente da República para poder dizer que vivemos um pesadelo e estamos submetidos a duas leis em cada Estado.
Um presidente que tem mais retórica do que recursos de poder não passa de prego no isopor. Mas não perde o poder de furar.
Onde o governador é médico, político experiente, sério e determinado, como Ronaldo Caiado em Goiás, o presidente encontra uma autoridade política e sanitária que o impede de manipular eleitoralmente o povo. Porque diante de uma pandemia é um contrassenso o conflito público entre a autoridade política e a autoridade técnica. E, tempos atuais, foi o Ministro da Saúde que foi posto em quarentena.
O governo federal não quer assumir o ônus da crise sanitária porque sabe que a Fazenda não tem respostas para a paralisia econômica brasileira. E, pior, sua equipe não sabe o que fazer porque não aceita o fato e a realidade inexorável que é a parada repentina da vida econômica pela velocidade do contágio humano. É como xingar um terremoto.
Assim, o presidente, que já é turbulento, entra em combustão: não quer um operador nacional da crise sanitária, pois isto deixaria o governo totalmente em segundo plano, já que sabe que não tem um operador da crise econômica ligada a ela. Ou seja, quer fazer o lockdown da temporalidade. Bloquear o tempo em fevereiro e dizer que dali para cá quem gastar com a calamidade é responsável por tudo de errado que ele fez até agora.
Se alguém for amigo do presidente é bom dizer rapidamente a ele que sem investimento público emergencial federal o vírus vai, além de adoecer o cidadão ampliar a estagnação, a doença da economia no seu governo.
E se alguém conseguir resolver o quebra-cabeça que é pegar um avião e ver se consegue falar com o ministro Paulo Guedes é bom dizer a ele que o coronavirus não está pedindo mudança do modelo econômico liberal, mas mudança no padrão de gestão do presente.
Conversar com Rodrigo Maia é um bom caminho, pois foi ele o primeiro a entender, e por isso tem sido a voz mais sensata dessa crise.
O vírus não pode espalhar, senhor Presidente, é porque o Brasil, e o mundo, não tem leitos suficientes para receber todos os pacientes infectados. E ninguém é Deus para na porta do hospital decidir quem vai para o necrotério.
Sabemos que a saúde nunca monopolizou a atenção de todos como agora, mas é impressionante não perceber que não há necessidade de mobilização nacional para gerar o discurso que justifique o investimento necessário ao combate da situação.
Metam a mão no bolso, planejem a solidariedade oficial, protejam o caixa dos milhões de brasileiros que fecharam as portas do seu negócio para colaborarem com o mutirão sanitário do país. É dever do Estado pagar as dívidas de quem se comportou com responsabilidade pública e coletiva. Ou criem uma ala no governo para os incuráveis da insensibilidade.
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