segunda-feira, 15 de março de 2021

Troca no comando da Saúde será útil como cloroquina no tratamento da Covid



Muita coisa aconteceu em um ano de pandemia. Entretanto, um país que convive com a perspectiva iminente de contabilizar 300 mil mortos por Covid acaba desprezando os detalhes. Bolsonaro está à procura do seu quarto ministro da Saúde. E ninguém faz a concessão de uma surpresa. O Brasil se espanta cada vez menos. Faltam mais pontos de exclamação do que doses de vacina. O absurdo ganhou uma admirável naturalidade.

Quando a história puder falar sobre a crise sanitária do século sem desprezar os detalhes dirá que Bolsonaro instalou no ministério da pandemia uma porta giratória. Manteve o país rodando em torno das suas idiossincrasias como um parafuso espanado. À espera da confirmação do substituto do general Eduardo Pazuello, a maioria dos brasileiros demora a notar que o problema está no Planalto, não na Esplanada dos Ministérios.

No comando de um governo que receitou cloroquina, condenou o distanciamento social, amaldiçoou a "vacina chinesa do João Doria" e enxergou jacaré na fórmula do imunizante da Pfizer, Bolsonaro especializou-se em triturar ministros. Depois de se livrar de dois médicos —Mandetta e Teich—, transformou o general Pazuello numa anomalia administrativa: um caso raro de ex-ministro da Saúde ainda no exercício do cargo.



No melhor estilo "um manda, o outro obedece", Pazuello deixou que Bolsonaro o fritasse na sua própria gordura. Neste domingo, após participar de reunião em que o seu pescoço foi o tema central, o pseudo-ministro da Saúde esclareceu: "Não estou doente, o presidente não pediu meu cargo, mas o entregarei assim que pedir." Pazuello não notou. Mas está, sim, gravemente enfermo. Foi infectado pelo vírus que reduz general à condição de capacho.

Submetendo-se incondicionalmente a Bolsonaro, Pazuello se autoconverteu num desastre de mostruário. Militarizou a Saúde, deu de ombros para ofertas de vacinas, deixou vencer a validade de testes de detecção de Covid, enviou cloroquina para pacientes que morriam por falta de oxigênio em Manaus, despachou para Roraima vacinas do Amazonas, atrasou o pagamento de leitos de UTI nos estados...

O centrão levou Pazuello à alça de mira. Líderes do conglomerado partidário patrocinam o nome da cardiologista Ludhmila Hajjar. A cabeça da doutora é o avesso da de Bolsonaro. Ela despreza a cloroquina, critica a escassez de vacinas, aposta no distanciamento social, prega a união dos líderes políticos, e abomina bate-boca entre presidente e governador.

Ou seja: Ludhmila tem um discurso tão cientificamente apropriado que não é uma simples alternativa ministerial. Num governo como o de Bolsonaro, a doutora seria uma nova crise esperando para acontecer. O bolsonarismo, a propósito, já tritura a personagem nas redes sociais.

Enquanto prevalecer o receituário de Bolsonaro no trato da pandemia, qualquer troca de comando na Saúde terá o mesmo efeito de uma receita de cloroquina no tratamento da Covid-19.

Por Josias de Souza

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