Como classificar as falas de Jair Bolsonaro nesta quinta-feira? Violência retórica, estupidez, negacionismo? Tudo isso já conhecemos. Cabe-nos perguntar agora até quando a legalidade será permanentemente violada, sem que, na prática, nada aconteça. É preciso descobrir os caminhos que o Estado de direito oferece para barrar o presidente. Em princípio, a tarefa cabe ao procurador-geral da República, que tem competência para denunciá-lo por crime comum, e ao presidente da Câmara, que pode encaminhar uma denúncia por crime de responsabilidade. Nem uma coisa nem outra acontecerão. Até quando? Já sabemos que mais de 260 mil mortos não moveram essas penas. Quantas moveriam?
Bolsonaro está num novo surto de truculência. Desde que o vírus foi detectado no Brasil, sua postura tem sido a mesma: negar o conhecimento científico e incentivar as pessoas a desrespeitar as regras elementares para tentar evitar o contágio. A segunda onda, como sabemos, está sendo bem pior do que a primeira: em número de doentes, em mortes, em déficit de UTIs. Já vivemos um colapso do sistema de Saúde. E todas as projeções responsáveis indicam que vai piorar.
Sim, o presidente é meio destrambelhado, todos sabemos, mas já dá para perceber que ele obedece a um padrão. Se está acuado, com medo da polícia e da Justiça, ele amansa. Se julga estar por cima da carne seca e no comando, ele barbariza. É próprio de temperamentos autoritários e tirânicos.
Assumiu o poder em janeiro de 2019 e deu início, pouco depois, à sua cruzada golpista, sem que enfrentasse, é bom que se destaque, a oposição de ninguém: do Congresso, do Judiciário ou das ruas. Mobilizou suas milícias digitais em favor de um autogolpe, participando de manifestações em defesa do fechamento do Congresso e do Supremo. Já estávamos diante de algo inusitado porque era um extremismo que não tinha polo oposto.
E que se note: em 2019, ele estava ainda associado ao lavajatismo, e os dois autoritarismos se juntavam nas ruas contra as respectivas cúpulas de Câmara e Senado e contra alguns ministros do Supremo. Com interesses pessoais contrariados, Moro pulou fora do barco, e a sanha golpista permaneceu. Bolsonaro chegou a gritar para o Supremo: "Acabou, porra!".
A prisão de Fabrício Queiroz e a abertura de um inquérito de ofício, no Supremo, por iniciativa correta de Dias Toffoli, então presidente, refreou o ânimo de Bolsonaro e de sua malta de fascistoides. Ele, deu uma amansada. Afinal, não se conhecia o que o destino reservava a Flávio Bolsonaro. Embora cercado de generais — na prática, temos um governo que é, em muitos aspectos, militar —, ficou claro que as Forças Armadas não embarcariam na sua sandice mais extrema. Na menos, eles já estão. E como protagonistas.
Mas aí as coisas, vamos dizer, viraram um tantinho a seu favor, mesmo com o país no brejo das almas — não demora, serão 300 mil almas. Bolsonaro conseguiu eleger os nomes de sua preferência para as respectivas Presidências da Câmara e do Senado. Nesta segunda Casa, o nome vitorioso foi quase um consenso. Na primeira, o presidente conseguiu bater aquele que considerava um inimigo: o deputado Rodrigo Maia.
No front que junta, vamos dizer, Justiça, família e política, a defesa de Flávio conseguiu lograr uma vitória importante no STJ — embora a mansão sem explicação do senador grite pela reabertura imediata da investigação, aí segundo as regras do jogo. De toda sorte, o dito Zero Um ficou bem mais longe da hora em que terá de acertar suas contas com a Justiça.
E pronto! Bolsonaro resolveu vestir de novo a roupa do Super-Homem troglodita, do destemido, do político sem papas na língua, que xinga, ofende, vitupera, dando pouca bola para a torcida adversária. Deve considerar, com alguma razão, que o Ministério Público, Justiça, Câmara, Senado e Polícia estão todos no papo.
Pôde, pois, voltar à sua natureza. Seu único trabalho agora é ofender os adversários; pregar a volta à normalidade, sabendo ser isso impossível — o que sela a sua aliança com alguns setores do pequeno e médio empresariados —; manter unida a sua tropa de 20 e poucos por cento que comungam de suas teses negacionistas; entregar ao Congresso a tarefa de aprovar o auxílio emergencial, que será administrado pelo Ministério da Economia e pronto! No mais, é cuidar da reeleição.
"Mas reeleição dizendo as barbaridades que diz? Acusando o mimimi e a frescura daqueles sofrem, como fez em São Simão, em Goiás? Evocando a mãe alheia, como em Uberlândia?
E daí? É o que seu público quer ouvir. Dado o andar da carruagem até aqui, isso o coloca no segundo turno. Entendam: o presidente abriu mão de combater a doença de forma organizada. A rigor, ele nunca assumiu essa tarefa. Ou não teria Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde.
Que fique claro: Bolsonaro desconhece os limites que ultrapassam a linha da dignidade. Na quarta-feira, havia 300 pessoas em Goiás à espera de um leito de UTI. Minas está enviando pacientes para São Paulo. O governador Romeu Zema, seu aliado, decretou toque de recolher em 70 cidades. Em novembro, houve 1.026 mortes por Covid no Estado; em fevereiro, 3.505.
É estupefaciente! Seu estúpido negacionismo consegue rigorosamente o contrário de sua alegada pretensão. Quanto mais o presidente incentiva a indisciplina, concorrendo para que a doença se espalhe de forma ampla e desordenada, mais distantes ficamos de uma retomada consistente da economia.
A vacinação, em razão da incompetência assombrosa do seu governo, vai se entender 2021 afora. Longe da imunização do rebanho e com a versão mais agressiva do vírus se espalhando pelo país, o comportamento de Bolsonaro prolonga o caos e colapso no sistema de Saúde.
Bolsonaro se transformou num sinônimo da doença. Hoje, é ele o maior risco à economia brasileira. Aliás, é o que tem sido desde 1º de janeiro de 2019.
Por Reinaldo Azevedo
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