sexta-feira, 12 de março de 2021

Briga-se com o idioma em vez de encarar o vírus



Era só o que faltava. A pandemia fez aniversário de um ano e os responsáveis pela gestão da crise, que já não se entendiam sobre o que fazer com o vírus, passaram a se desentender até sobre o idioma no qual se expressam.

O ministro Eduardo Pazuello declarou em vídeo que o sistema de saúde está "muito impactado, mas não colapsou nem vai colapsar". Falando em nome dos governadores, Wellington Dias, do Piauí, disse que o colapso já chegou.

Há em todo país mais de 30 mil pessoas esperando na fila por vagas em UTIs. Significa dizer que o brasileiro já não morre apenas de covid ou de falta de vacina. Morre também de falta de leito.

Pazuello divulgou o vídeo em que nega o colapso, horas depois da realização, no Planalto, de uma solenidade que teve como pano de fundo um país alternativo. Um Brasil que poderia existir se alguns erros na condução da pandemia tivessem sido evitados. Um Brasil que poderia ter sido e que por muito pouco não foi.

Usando máscara e cercado de autoridades mascaradas, Jair Bolsonaro sancionou projetos destinados a impulsionar a compra de vacinas. O presidente defendeu as vacinas.

Dois dias antes, Bolsonaro havia participado de videoconferência com a cúpula da Pfizer, fabricante da vacina que não seria comprada pelo Brasil para evitar que as pessoas virassem jacaré.

Na véspera, o Ministério da Saúde encaminhara uma carta à embaixada da China, encarecendo ao governo de Pequim o fornecimento de 30 milhões de doses de uma vacina que o presidente, avesso a imunizantes chineses, não cogitava comprar.

Com mais de 270 mil corpos de atraso, o governo federal corre atrás de vacinas que negligenciou.

A essa altura, o Brasil está submetido a uma espécie de realismo fantástico, que nenhum autor de novela ousaria descrever para não traumatizar o público. O país se encaminha a passos largos para contabilizar 3 mil mortos por covid diariamente.

Já não somos o que poderíamos ter sido sem os erros. Mas poderemos ser algo ainda pior se continuarmos discutindo o idioma. Algumas pessoas podem ter dificuldade para definir o significado de colapso. Mas todo mundo reconhece um colapso quando o vê.

Por Josias de Souza

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