As igrejas andam tão preocupadas em reformar os fiéis que não encontram tempo para se reformar. Numa evidência de que Deus já não é full time, os conglomerados religiosos arrancaram do Congresso um perdão tributário estimado em R$ 1,4 bilhão. Fizeram isso sob aplausos de Bolsonaro, cujo governo está endividado até o último fio do seu cabelo, caro contribuinte.
Pela Constituição, são isentas de impostos as receitas amealhadas por igrejas. Entretanto, certas igrejas tornaram-se conglomerados empresariais. Distribuem lucros para pastores e líderes religiosos. A Receita Federal cobrou dessa indústria da fé a Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a contribuição previdenciária. Daí o passivo de R$ 1,45 bilhão.
Numa articulação comandada pelo deputado David Soares (DEM-SP), o Congresso passara a dívida na borracha no ano passado. David é filho do pastor RR Soares, mandachuva da Igreja Internacional da Graça de Deus —uma logomarca autuada pelo Fisco em R$ 37,8 milhões, noves fora as correções.
A pedido do ministro Paulo Guedes (Economia), Bolsonaro havia vetado o mimo tributário em setembro do ano passado. Depois de acionar a caneta, o capitão correu às redes sociais para sugerir aos parlamentares que o castigassem, derrubando o veto no Congresso.
Ajoelhado sobre o milho, Bolsonaro escreveu: "Confesso. Caso fosse deputado ou senador, por ocasião da análise do veto, [...] votaria pela derrubada do mesmo." Demorou seis meses, mas o pedido de Bolsonaro foi atendido. Na Câmara, o veto caiu por 439 votos a 19. No Senado, 73 a 1.
O afago nos autoproclamados representantes de Deus chega em hora providencial. Pesquisa Datafolha revelou que a maioria dos brasileiros (54%) reprova a atuação de Bolsonaro no combate ao coronavírus. Entre os evangélicos, a avaliação negativa foi de 33% para 44% em três meses.
Na antevéspera da derrubada do veto, Bolsonaro recebeu no Planalto um grupo de religiosos capitaneados pelo pastor Silas Malafaia, da Assembleia de Deus Vitoria em Cristo. Ele organiza para o final deste mês de março um dia de jejum em favor da nação brasileira. Aleluia, irmãos!
O perdão tributário dividiu instantaneamente os brasileiros em duas categorias: a dos idiotas e a dos espertos. Os idiotas —crentes e ateus, pessoas físicas ou empresas— pagam em dia os seus tributos. Os espertos levam o fisco no beiço. Autuados, cavam anistias no Legislativo.
Se você é um dos milhões de brasileiros condenados pelo baixo rendimento a um fim do mês perpétuo, levante as mãos para o céu. Seus problemas financeiros e tributários acabaram, irmão. Faça um anúncio público de autoextinção. Depois de sumir como pessoa física, reorganize-se como igreja. Não é pecado. Deus fez o mundo. Mas quem controla a Receita é o Tinhoso.
Por Josias de Souza
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