Jair Bolsonaro escolheu o seu quarto ministro da Saúde, agora Marcelo Queiroga, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Certamente não pesou na escolha o fato de o médico já ter defendido o uso de máscaras e do distanciamento social. Afinal, esses meios comprovadamente eficazes para reduzir a contaminação não têm o apoio de seu novo chefe, Jair Bolsonaro. Tudo indica que a proximidade do novo ministro com o senador Flávio Bolsonaro, o filho Zero Um, teve um peso maior.
Como Queiroga vai conseguir conciliar a sua reputação de médico com a aplicação prática — e de consequências homicidas — das teorias do presidente? É o que nós vamos ver.
Poderia haver um encontro virtuoso aí, de sorte que Bolsonaro melhoraria um pouquinho. Mas já sabemos que as coisas não funcionam desse modo. O presidente tem o estranho poder de piorar aqueles que dele se aproximam. Em vez de aprender alguma coisa com os mais sabidos — e Bolsonaro não sabe quase nada sobre tudo —, os mais sabidos é que rebaixam seu conhecimento às idiossincrasias do chefe.
É o que acontece, por exemplo, com Paulo Guedes. Digam-me: depois desses quase três anos de convivência — incluindo a campanha eleitoral —, o que aconteceu: Bolsonaro aprendeu um pouco de economia, ou a economia que Guedes tinha na cabeça está mais desorganizada do que antes desse convívio deletério?
POR QUE SAIU?
Para prospectar o que pode ser a gestão de Queiroga, é preciso saber como e por que Eduardo Pazuello foi demitido. Afirmei aqui no domingo, em post publicado às 19h16, que o general havia, na prática, sido demitido pela reemergência no cenário político de um Lula elegível. E falando o que tem de ser falado sobre a vacina. Seu pronunciamento teve o condão de mudar, inclusive, o discurso de Bolsonaro sobre os imunizantes. Até máscara na cara ele pôs.
Mas o dito "Mto" tem seus milicianos nas redes sociais para alimentar e sua base de apoio, fanaticamente contrária a qualquer forma de distanciamento social e de medidas que impõem restrições de circulação. Isso não mudou. Ao contrário, o presidente apoiou protestos neste domingo contra essas medidas, que são literalmente vitais: é preciso impedir que se aprofunde o desastre já em curso no sistema de Saúde, o que leva, aí sim, à paralisação forçada da economia.
REELEIÇÃO
Acontece que o presidente definiu um dos pilares de sua campanha à reeleição: dirá que a responsabilidade pela situação difícil em que ainda estará o Brasil em 2022 não é sua, mas daqueles que defenderam as medidas restritivas. Ele vai se apresentar como aquele que tentou conciliar vacina com o funcionamento da economia.
É, obviamente, mentira. Mas pensem bem: ele vai falar o quê? O que tem de seu a apresentar, além de uma montanha formidável de mortos? Como é que Queiroga vai entrar nesse debate? Na reunião com governadores, se houver, vai atacar as ações para tentar minorar o colapso na Saúde? E oferecerá como alternativa o quê?
Queiroga tem um perfil político de direita. Já andou saudando nas redes encontro havido uma vez entre aqueles que considerava dois grandes brasileiros: Jair Bolsonaro, que agora será seu chefe, e Enéas Carneiro, o folclórico Doutor Enéas, também médico, que foi seu professor. Tal mistura, diga-se — medicina com política — parece dar mais frequentemente errado do que certo. E faz sentido, né? Estamos falando de pessoas que têm de ter compromisso com a ciência.
Ainda que possa haver, é certo, margem para divergências — mas dentro do campo científico — entre os médicos, a adesão ferrenha a um ponto de vista ideológico pode conduzir à distorção até mesmo do saber técnico, o que é sempre deletério. Médicos, por princípio, deveriam ser, na sua profissão, apenas e tão-somente humanistas, respondendo à seguinte questão: quais medidas adotar para salvar vidas e para oferecer conforto aos que sofrem?
Se o seu saber se obriga a justificar uma construção ideológica que não está amparada na ciência, então estamos diante de um crime contra a própria ciência — e, por consequência, no mais das vezes, contra a vida das pessoas. E a essência de seu compromisso ético é salvar vidas.
Vamos ver se Queiroga melhora Bolsonaro ou se Bolsonaro piora Queiroga. O histórico não é nada bom. Que o novo ministro se lembre de que o governo Bolsonaro passa, mas que ele continuará médico. A história vai escrever a sua biografia.
Por Reinaldo Azevedo
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