Há uma constatação em Brasília: Jair Bolsonaro não vai mudar. Esta quarta-feira deveria ter sido o "turning point", o dia da virada. E, no entanto, nada de relevante aconteceu. Resultado. No fim do dia, Arthur Lira (Progressistas-AL), presidente da Câmara, ameaçou Bolsonaro com o impeachment. Não há aqui leitura enviesada ou interpretação exagerada.
O vídeo está aí.
Transcrevo a fala:
"Eu estou apertando hoje um sinal amarelo para quem quiser enxergar. Não vamos continuar aqui votando e seguindo um protocolo legislativo, com o compromisso de não errar com o país, se, fora daqui, erros primários, erros desnecessários, erros inúteis, erros que não são muito menores do que os acertos cometidos, continuarem a ser praticados. E eu, aqui, não estou fulanizando. Vou repetir: eu não estou fulanizando. Dirijo-me a todos os que conduzem os órgãos diretamente envolvidos no combate à pandemia: o executivo federal, os executivos estaduais, os milhares de executivos municipais também. Os remédios políticos no Parlamento são conhecidos e são todos amargos. Alguns fatais. Muitas vezes são aplicados quando a espiral de erros de avaliação se torna uma escala geométrica incontrolável. Não é esta a intenção desta Presidência. Preferimos que as atuais anomalias se curem por si mesmas, fruto da autocrítica, do instinto de sobrevivência, da sabedoria, da inteligência emocional e da capacidade política."
Os remédios amargos das duas Casas — Câmara e Senado — são dois: CPI e impeachment. E, como se sabe, a droga fatal é o impedimento.
Cumpre destacar que aquele que falava tem o poder unipessoal e intransferível de deflagrar o processo. Não se faz isso, claro!, sem a perspectiva de um apoio sólido. A cada dia, Lira ouve mais e mais deputados dispostos a chutar o balde — ou a se livrar do tronco de enchente.
A fala de Lira reflete esse fastio. E com razão.
Realizou-se nesta quarta a reunião entre os chefes dos Três Poderes, com as presenças de alguns governadores e de Eduardo Pazuello, o ministro da Saúde que foi demitido, e de Marcelo Queiroga, o que o substituiu. Constituiu-se o tal Comitê de Combate à Covid-19. Queiroga, então, será o homem que vai falar, digamos, com o mundo da ciência — embora ele não tenha nada a dizer, já está demonstrado. A Rodrigo Pacheco, cumpre se relacionar com os governadores, com uma espécie de delegação do presidente.
Acontece que, na reunião, ficou claro que Bolsonaro já chegou ao limite do que deve soar, na sua cabeça, como uma concessão aos inimigos: defender a vacina e usar máscara em eventos públicos. E só. O presidente não conversou sobre medidas de restrição de circulação — ele continua a se opor a qualquer ação do gênero — e também não abriu mão do tal "tratamento precoce".
Na manifestação do grupo à imprensa, depois do encontro, sem direito a perguntas, Lira, Pacheco e Luiz Fux (presidente do Supremo) — com uma máscara frouxa, que lhe fugia a todo momento do nariz — engrolaram generalidades. Acreditem: saiu-se do encontro sem que se acertasse nem mesmo uma campanha nacional recomendando às pessoas um comportamento prudente.
A fala de Lira reflete uma constatação: nada aconteceu, e nada vai mudar. Queiroga, também ficou evidente, é só um Pazuello com formação médica. O verdadeiro ministro da Saúde segue sendo Jair Bolsonaro. Enquanto isso, o país vive um apagão de oxigênio, de drogas para intubação e de leitos de UTI. Ocorre, e ficou claro a todos, que Bolsonaro não acredita nesses dados e considera essas informações catastrofistas porque, na sua cabeça, existe uma conspiração para derrubá-lo.
Os sistemas público e privado de Saúde estão em colapso no país inteiro. E isso quer dizer que os desastres vão acontecendo em cadeia. Uma resposta estrutural no curto prazo é impossível. Vive-se de tentar remediar e minorar os estragos. Por incrível que pareça, a ação mais eficaz seria mesmo de natureza política: seria preciso que o governo federal, na pessoa do presidente, admitisse a gravidade do problema e fizesse um alerta.
É imperioso que se diminua brutalmente, nos próximos dias, o número de contaminados para que os hospitais recuperem a sua capacidade operacional. E nada há no horizonte que sugira que isso vá acontecer. Ao contrário: o que se tem é a escalada de mortes.
Não, a ficha de Bolsonaro não caiu, e Arthur Lira está dizendo que não aceita ser o coveiro auxiliar de outros tantos milhares.
VICE-PRESIDENTE DA CÂMARA
Tão logo o discurso de Arthur Lira começou a fazer barulho, foi a vez de Marcelo Ramos (PL-AM), vice-presidente da Casa, que tem sido bastante duro com a incompetência do governo no combate à pandemia, manifestar-se no Twitter. Afirmou:
"Em sua fala de hoje o Presidente @ArthurLira_ expressou perfeitamente, com precisão, maestria e sem radicalismos o sentimento da Câmara. Todos nos sentimos representados na fala do nosso presidente.
A Câmara não poderia tolerar de forma passiva a morte de 300 mil brasileiros e brasileiras, parte delas decorrentes de erros gravíssimos de condução do enfrentamento da pandemia. Não vamos carregar a marcar de erros que não são nossos. Agiremos a favor do Brasil.
Às vezes, o gesto mais fraterno que um amigo pode fazer por você é alertar que você está no caminho errado. Os sábios sabem entender isso."
Bolsonaro não é sábio. E os senhores deputados sabem que ele não vai mudar.
Quantos brasileiros ainda terão de morrer para que se acenda o sinal vermelho?
Não se esqueçam, senhores parlamentares, a tragédia também lhes pesará sobre os ombros. E vocês podem livrar o país do vírus que mais mata. Não é o corona.
Por Reinaldo Azevedo
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