quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Pobre Rio! Tão perto do Cristo e tão longe de Deus! PAPOL elegerá prefeito?


Raios atingem a área em que fica o Cristo Redentor, no Rio. Metáfora e metonímia se estreitam num abraço insano - Yasuyoshi Chiba/AFP/VEJA

Eduardo Paes, candidato do DEM à Prefeitura do Rio, é alvo — ou vítima —, mais uma vez, de uma acusação, desta feita na forma de denúncia e mandado de busca e apreensão, tudo ao mesmo, na boca da urna. Como sempre faço, não declaro inocências e culpas. Aponto o estranho modo — que assombra o estado de direito e a democracia — que as investigações foram tomando no Brasil. O ataque a Paes, em 2018, contribuiu para levar Wilson Witzel ao governo. Vamos ver que pena será condenada agora a cidade do Rio.

Faz-se um mandado de busca e apreensão na casa do ex-prefeito e candidato à cata de provas de caixa dois supostamente recebido em 2012. Já se passaram, pois, oito anos. Como Paes sabe ser há muito tempo um dos alvos, custa a crer que, tivesse ele culpa no cartório, fosse tolo o bastante para manter provas estocadas em casa. Assim, o mandado de busca e apreensão expedido pelo juiz Flávio Itabaiana, da 204ª Zona Eleitoral do Rio, não deve resultar em nada que não seja a espetacularização do caso na boca da urna.

Sim, Itabaiana era o juiz na investigação contra Flávio Bolsonaro, mas a 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio aceitou pedido de habeas corpus do senador e transferiu o caso para o Órgão Especial do TJ, colegiado formados por 25 desembargadores. Sabe o que evidencia o fato de ele ter sido o juiz também do caso do Zero Um? Nada. Isso não explica, por exemplo, um mandado de busca e apreensão para colher, com oito anos de distância, provas sobre um suposto caixa dois de R$ 10,8 milhões, que teriam sido pagos em espécie pela Odebrecht.

E que se note: nas mãos do Ministério Público Estadual, a acusação, seguindo as más lições dadas pela Lava Jato, transformou-se em corrupção, falsidade ideológica e lavagem. O truque consiste em colar à imputação de caixa dois outros crimes mais graves para deixar o acusado sem saída. E, mais uma vez, vemos a denúncia ser aceita no mesmo dia em que se determinam mandados de busca e apreensão. Os marcianos devem se perguntar que diabo de direito esses brasileiros estão inventando.

Consta que a operação foi desfechada com base nas respectivas delações de Leandro Azevedo e Benedito Júnior, da Odebrecht, e do marqueteiro Renato Pereira, que fez as campanhas de Paes, à época no MDB, para a Prefeitura. Sim, em sua delação, Júnior afirma ter feito doações às campanhas de Paes por meio de caixa dois em 2008 e 2012. Na campanha à reeleição, teriam sido R4 11,6 milhões em espécie no Brasil e US$ 5,5 milhões numa conta no exterior. Que se apure. E não estou aqui a passar pano em caixa dois, não!

Mas pergunto: isso é corrupção passiva e lavagem? A corrupção supõe uma relação de troca: o então prefeito teria de ter oferecido uma contrapartida à empreiteira. Ocorre que, segundo a visão esdrúxula inaugurada no país pela Lava Jato, caixa dois se converte necessariamente em corrupção, de sorte que a exigência legal para caracterizar, de um lado, a modalidade ativa e, do outro, a passiva desaparece: nos dois casos, é preciso que haja ao menos a promessa de vantagem.

Em sua delação, Benedito Júnior foi diretamente questionado por um procurador:
Procurador: O Eduardo Paes deu algum benefício para a Odebrecht nessas licitações?

E o executivo respondeu:
Benedito Júnior: Não! Através de mim, nenhum! E eu tenho certeza de que, através do Leandro, que ia comigo a todas as reuniões técnicas, também não. O benefício foi a gente poder participar das licitações. E, como as licitações eram, de alguma forma, complexas, a gente conseguir estudar, gastar um dinheiro na frente, viabilizar a contratação e sermos a empresa que ia investir naquele negócio para que a Prefeitura não botasse o dinheiro sozinha.

Procurador: E o senhor Eduardo Paes teve algum benefício pessoal?
Benedito Júnior: Doutor, nunca me pediu nada. Até pelo estilo dele, muito impositivo -- o apelido "nervosinho" --, ele não tinha ambiente... Ele não gerava um ambiente que propiciasse alguma troca, alguma coisa. Ele era bastante seco, bastante... Não era uma pessoa afeta a ter relações pessoais fora do ambiente que estava sendo tratado... Então nunca me pediu nada.

O marqueteiro Renato Pereira, cuja empresa teria recebido parte das doações por caixa dois, também fez acordo de delação premiada. Reproduzo um trecho:
Procurador: Houve pagamento de algum valor para o prefeito Eduardo Paes?
Renato Pereira: Não! Em nenhuma licitação, nenhuma tomada de preço, nenhum processo de que a gente tenha participado, ou que qualquer fornecedor ligado à gente tenha participado, seja a Casa Digital, seja a Fulano Filmes, jamais houve pedido de pagamento de valor feito pela Prefeitura ou qualquer pessoa ligada à Prefeitura. Aliás, como registro ao longo de toda relação com o prefeito Eduardo Paes, nunca pediu qualquer tipo de remuneração para ele ou para qualquer pessoa que seja. Isso jamais aconteceu.

REITERE-SE
Tendo havido caixa dois, como alegam os delatores, não se está aqui a dizer que se trata de coisa bonita ou que não mereça a devida sanção. Mas o que caracteriza o sistema penal nas democracias é punir as pessoas pelos delitos que cometeram, não por aqueles que lhes atribui o órgão acusador, a despeito das provas, para aumentar o rigor da eventual pena.

Em 2018, a três dias das eleições, o juiz Marcelo Bretas liberou o conteúdo do depoimento de Alexandre Pinto, que havia sido secretário de Obras da Prefeitura, acusando o ex-prefeito de ter recebido propina da Odebrecht durante a gestão, o que os delatores da empreiteira negam explicitamente. É claro que a onda que a coisa gerou colaborou para a eleição de Witzel.

Agora, a dois meses do pleito, eis de novo uma avalanche contra Paes. Seus adversários não têm do que reclamar, muito especialmente o prefeito Marcelo Crivella. O PAPOL — o Partido da Polícia — insiste em determinar o resultado nas urnas no país. E isso nos conduz ao desastre.

Porfírio Diaz, ex-presidente do México, disse certa feita sobre o seu país: "Pobre México! Tão longe de Deus e tão perto dos Estados Unidos"! Faço uma paródia: "Pobre Rio! Tão perto do Cristo e tão longe de Deus"!

Por Reinaldo Azevedo

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