quarta-feira, 23 de setembro de 2020

Fala sobre pandemia teve mentira e indecência. E como chegar a US$ 1 mil


Bolsonaro exibe uma caixa de cloroquina nos jardins do Palácio da Alvorada no dia 21 de julho Imagem:
Adriano Machado/Reuters

Se o presidente Jair Bolsonaro errou a mão no seu discurso na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas ao tratar do meio ambiente, transformando virtudes em vícios, errado mesmo ele se mostrou quando falou sobre a pandemia.

Em primeiro lugar, cometeu a sandice de não citar os quase 140 mil mortos, dizendo apenas que lamentava a existência de vítimas. É um desrespeito e uma tolice porque todo o mundo sabe o que todo o mundo sabe. O Brasil está em terceiro lugar em casos da doença e em segundo em mortos. Só os EUA estão à sua frente. Mas, por aqui, o número de vítimas fatais por 100 mil habitantes é bem maior. Dada essa taxa, note-se, o país está no topo negativo do ranking do G-20.

Não obstante, Bolsonaro exaltou a suposta eficiência de sua política de enfrentamento da pandemia, o que os números desmentem. E, ainda que de maneira um tanto oblíqua, mas não menos irresponsável, voltou a seu esporte principal nesse tema: atacar a política de distanciamento social. Sim, falou como um negacionista, para surpresa de ninguém.

Nessa pegada, não teve dúvida: sobrou pancada para setores da imprensa, que, segundo ele, politizaram a pandemia. Errado. O único a fazê-lo foi ele próprio. Não por acaso, demitiu dois ministros da Saúde em um mês e entregou a pasta a um general cumpridor de más tarefas.

Chamou para si, esquecendo-se de dar o devido peso ao Congresso, a responsabilidade pelo pagamento do auxílio emergencial — parte da legislação especial criada para combater a pandemia. Acontece que isso nada teve a ver com ele ou com o Paulo Guedes. A dupla não tinha a menor ideia da gravidade da "gripezinha". Em meados de março, o presidente previu que a Covid-19 mataria menos de 800 pessoas.

Como esquecer a proposta original do ministro da Economia, que consistia em pagar três parcelas de R$ 200 aos trabalhadores informais, mandando para casa os formais, com o contrato de trabalho suspenso e sem nenhuma compensação? O Congresso desenhou e aprovou as medidas emergenciais.

Mas, claro!, Bolsonaro chamou os louros apenas para si e ainda mentiu sobre o valor do auxílio: afirmou que governo entregou mil dólares a cada assistido. Não há como se chegar a esse valor. Cinco parcelas de R$ 600 correspondem a 3 mil. Caso o Congresso aprove a proposta, serão mais 4 de R$ 300, totalizando R$ 4,2 mil — ou US$ 777,77. Caso se leve em conta o valor médio do dólar de agosto para cá, chega-se a R$ 780. Com a moeda americana cotada a R$ 5,40, o auxílio só atingirá os mil dólares com 9 parcelas de R$ 600. Vale dizer: seria preciso dobrar o valor das quatro adicionais, que Bolsonaro pretende que sejam de R$ 300.

Por que mentir em matéria dessa natureza? Não tenho ideia. Isso tem de ser perguntado a dele. Insisto. O número não é irrelevante e se traduz internamente em muitos bilhões de reais. Ou o presidente está afirmando que vai pagar quatro parcelas adicionais de R$ 600, não de R$ 300?

Para espanto da ciência, Bolsonaro também disse à ONU que seu governo investiu no tratamento preventivo da Covid-19. Não existe prevenção nenhuma, a não ser o distanciamento social, que ele sabotou. E, pateticamente, exaltou uma vez mais a suposta eficácia da cloroquina.

E, nem poderia ser diferente, sobrou pancada para a imprensa, ou para "setores dela", que teriam politizando a doença. Quais setores? Não fosse, diga-se, o jornalismo profissional, o desastre certamente seria muito maior do que esse a que assistimos, rumo aos 150 mil mortos. De que imprensa gosta Bolsonaro? Daquela a que se dedica a súcia criminosa que canta suas glórias nas redes sociais? Ou do puxa-saquismo a que se entregam meliantes intelectuais e morais que tentam fazer sua sabujice passar por jornalismo profissional?

Não há desculpa possível para a prática que tenta transformar em virtude a abordagem verdadeiramente criminosa que seu governo dispensou à doença.

E ponto.

Por Reinaldo Azevedo

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