sábado, 26 de setembro de 2020

Bolsonaro escolhe ministro do STF por fidelidade



Celso de Mello antecipou sua aposentadoria em três semanas. Sairia em 1º de novembro, ao fazer aniversário de 75 anos. Adiantou o relógio para vestir o pijama em 13 de outubro. Jair Bolsonaro terá a oportunidade de fazer sua primeira indicação para o Supremo Tribunal Federal. Escolherá o substituto guiando-se pelo critério da fidelidade. Muitos torcerão o nariz. Mas o capitão não será o primeiro presidente a desprezar a neutralidade como parâmetro de escolha.

O que diferencia Bolsonaro dos antecessores é que ele age como se desejasse testar a fidelidade dos pretendentes à toga antes da nomeação. Enredado entre inquéritos que roçam a sua Presidência, os filhos e os amigos, dispõe de farto material para a testagem: o inquérito em que é acusado de aparelhar a PF, o foro especial reivindicado pelo primogênito, os depoimentos do Zero Dois e do Zero Três, as aflições do amigo e gestor de rachadinhas Fabrício Queiroz...

Bolsonaro gostaria de colocar um subordinado na poltrona do seu algoz Celso de Mello. Constam de sua lista os ministros Jorge Oliveira (Secretaria-Geral da Presidência) e André Mendonça (Justiça). Arrisca-se a ser processado por plágio. Onde trabalhava Gilmar Mendes quando FHC o indicou? Chefiava a Advocacia-Geral da União. Dias Toffoli ocupava o mesmo posto no instante em que Lula o escolheu. Alexandre de Moraes, ungido por Michel Temer, era ministro da Justiça.

O presidente diz, em privado, que dispõe de opções. Entre elas o procurador-geral da República Augusto Aras e o ministro do STJ João Otávio Noronha. Aras não hesita em mostrar-se útil. Nos últimos dias, fez isso em dois ofícios protocolados no Supremo.

Num dos ofícios, Aras posicionou-se contra o acatamento de ação que questiona o foro privilegiado concedido a Flávio Bolsonaro pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro no caso da rachadinha. Noutro, posicionou-se a favor do pedido de Bolsonaro para depor por escrito no inquérito em que é acusado de tramar o aparelhamento político da PF.

Otávio Noronha, um magistrado por quem Bolsonaro disse nutrir "amor à primeira vista", também encantou o presidente e sua família ao transferir Fabrício Queiroz do ambiente inóspito de uma cela no presídio carioca de Bangu 8 para o conforto da prisão domiciliar. Fez mais: estendeu o refresco à foragida Márcia Aguiar. Mulher do operador de rachadinhas, Márcia flertava com a delação.

Na prática, trava-se uma competição pela vaga de ministro do Supremo. Nada de novo sob o Sol. A diferença é que a agora a disputa se desenvolve na frente das crianças. A fidelidade prévia não assegura o alinhamento futuro. Lula indicou oito ministros para a Suprema Corte. Acabou na cadeia. No julgamento do mensalão, ministros como Joaquim Barbosa e Ayres Britto portaram-se com rigor inaudito. Perfilaram do lado da moralidade.

Dilma Rousseff nomeou ministros como Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Luiz Fux. Nos julgamentos relacionados ao petrolão, a trinca notabilizou-se pelo apoio à Lava Jato. Nos julgamentos sobre a prisão de condenados na segunda instância, os três votaram invariavelmente a favor da tranca, inclusive a de Lula.

Hoje, prevalece no Supremo, por 6 votos a 5, a banda da Corte adepta da política de celas abertas. Afrouxou-se a regra sobre a prisão num instante em que aguardavam na fila por uma condenação pessoas como Aécio Neves e Michel Temer, amigos de Gilmar Mendes. E sonhavam com a reconquista do meio-fio um personagem como Lula, amigo de Ricardo Lewandowski e ex-superior hierárquico de Dias Toffoli.

Dá-se de barato que o escolhido de Bolsonaro fechará com o pedaço do Supremo que abre as celas, elevando a maioria que se autoproclama "garantista" um placar de 7 a 4.

Com a aposentadoria de Celso de Mello, o novo decano da Suprema Corte será Marco Aurélio Mello. Ele costuma dizer que magistrados não deveriam "agradecer com a toga." Ele próprio, indicado pelo primo Fernando Collor de Mello, declarou-se impedido, por razões de consciência, de participar de julgamentos que envolviam Collor. Entretanto, isso está longe de ser um padrão.

Por Josias de Souza

Nenhum comentário: