Bolsonaro se aproveita da anuência de parte da imprensa com pauta reacionária para posar de amigo dos pobres... Imagem: Reprodução/Youtube |
O presidente Jair Bolsonaro passou um carão na tal equipe econômica e, ora vejam, também na imprensa — ou, ao menos, em parte considerável do jornalismo que cobre economia. O índice de adesão desse ramo à voz oficial — ou, para ser mais preciso, à tal equipe econômica, desde que esta fale sempre em cortar gastos — é muito superior ao do jornalismo político, por exemplo. Este desconfia do oficialismo por princípio, no que faz muito bem. Aquele, não raro, adere por princípio — desde, insisto, que o agente do governo fale em gastar menos. Se o fizer, nem mesmo se pergunta se aquilo que está sendo proposto é viável ou não.
Bolsonaro percebeu a chance de dar uma lacrada usando a imprensa como saco de pancadas — e, claro!, a tal equipe econômica, da qual se pretende distinto. Notem que há muito tempo já o presidente prefere não se identificar com propostas oriundas de Paulo Guedes e seu entorno. É como se dissesse: "Eles me obrigam ou querem me obrigar a certas coisas, mas resisto".
É um jogo combinado sem que nada precise ser tramado nas sombras. A coisa se faz de silêncios. O presidente permite que circulem as ideias estapafúrdias e antipopulares — e sempre se pode contar com Guedes e sua equipe para isso — e depois vem a público para tonitruar: "Isso não! Não será feito! Não vou tirar do pobre para dar ao paupérrimo". Com um pouco mais de vergonha na cara, a tal equipe pediria demissão. Mas é uma gente que não tem pejo de ficar ou corada de constrangimento ou pálida de susto.
Bolsonaro tinha cópia de manchetes dos principais jornais do país, que iam sendo repassadas. Ali se informava que o governo pensava em congelar os ganhos dos aposentados por até dois anos. Quem recebe até o mínimo deixaria de ter os vencimentos corrigidos por essa referência. Acima disso, as regras já são hoje diferenciadas.
Obviamente, os veículos estavam noticiando o que o próprio governo vazava, ou não se teria a mesma informação em todos os jornais e portais. Bolsonaro leu as manchetes com desdém e afirmou:
"Eu já disse há poucas semanas que jamais vou tirar dinheiro dos pobres par dar aos paupérrimos. Quem, porventura, vier propor pra mim uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa. É gente que não tem o mínimo de coração, não tem o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados no Brasil. Eu vou dizer a todos vocês: de onde veio, pode ser que alguém da equipe econômica tenha falado sobre esse assunto; poder ser. Mas, por parte do governo, jamais vamos congelar salário de aposentado, bem como jamais vamos fazer com que o auxílio para idosos e gente com deficiência seja reduzido para qualquer coisa que seja. E última coisa para encerrar. Até 2022, no meu governo, está proibido falar a palavra 'Renda Brasil'. Vamos continuar com o Bolsa Família e ponto final. Um abraço a todos. E bom dia!"
VAMOS VER
Que mal há em a imprensa ter noticiado a coisa? Nenhum! Afinal, o próprio secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, um dos principais assessores de Paulo Guedes, havia afirmado ao G1 que a ideia era mesmo essa. O jogo combinado sem palavras a que me referi consiste no seguinte: Guedes e sua equipe brincam de falcão com os pobres, e Bolsonaro corre para dizer que ele está ao lado das pombas.
Em que a imprensa que cobre economia, e há honrosas exceções, escorrega feio? Em ser acrítica com ideias esdrúxulas como essa, quando não é entusiasta delas. Tenham paciência! No INSS, 67,3% dos aposentados ganham até um salário mínimo, o que corresponde a 22,3 milhões dos cerca de 35 milhões de beneficiários. Sim, houve flerte explícito com a proposta, assim como se deram piscadelas para o fim do pagamento do abono salário do PIS/Pasep a quem ganha até dois mínimos e para a extinção do programa Farmácia Popular.
Resultado: o presidente deixou que a coisa prosperasse para dar um murro na mesa e dizer: "Por mim, não passa". Assim, a parte da equipe econômica que pautou toda a imprensa e a própria que se virem agora com esse Bolsonaro que decidiu moralizar o discurso saindo pela esquerda...
Já basta o jornalismo ter recebido passivamente uma reforma administrativa que, de verdade, se e quando tiver efeitos, será obtido sobre o proletariado do funcionalismo. Porque as castas aristocráticas, inclusive e muito especialmente as de uniforme, seguirão intocadas.
Se Guedes não encontra o caminho, talvez o jornalismo econômico de contestação possa auxiliá-lo: como é que acha dinheiro dos ricos para compensar os pobres, em vez de cortar dos pobres para dar aos paupérrimos, redistribuindo a renda entre os que já têm muito pouco?
Nem Bolsonaro, com a sua moral já muito elástica, encara essa.
Por Reinaldo Azevedo
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