quinta-feira, 3 de setembro de 2020

Aras firma-se como Abafador-Geral da República


Reprodução

O procurador-geral da República Augusto Aras implantou em São Paulo uma franquia culinária. Queria fritar o núcleo bandeirante da Lava Jato sem tocá-lo. Delegou a tarefa à procuradora Viviane de Oliveira Martines, instalada há seis meses na chefia do 5º Ofício Criminal da Procuradoria na capital paulista. Nesta quarta-feira, já bem tostados, os sete membros da força-tarefa arrastaram Aras para dentro da frigideira. Apresentaram-lhe uma renúncia coletiva.

Aras obteve o que desejava. Um dia depois de degustar o desembarque de Deltan Dallagnol da coordenação da Lava Jato de Curitiba, viu-se diante da perspectiva de limpar a cozinha de São Paulo. Mas ficou com a marca do óleo quente na bochecha. Às vésperas da aposentadoria de Celso de Mello, dono de uma cobiçada poltrona no Supremo, Aras consolida-se no papel para o qual Jair Bolsonaro o escolheu: Abafador-Geral da República.

Por uma trapaça do destino, o processo de combustão da Lava Jato intensifica-se no momento em que chega às manchetes uma mensagem inédita enviada por Bolsonaro para o celular de Sergio Moro. Nela, irritado com uma notícia de jornal, o presidente mostra a porta de saída ao então ministro da Justiça: "...Tenha dignidade para se demitir." O recado é de 12 de abril. A ficha de Moro demorou uma dúzia de dias para cair. Demitiu-se apenas em 24 de abril.

Em dezembro de 2018, dias antes de assumir a pasta da Justiça, o ex-juiz da Lava Jato disse ter topado integrar o governo de Bolsonaro porque estava "cansado de levar bolas nas costas" na 13ª Vara Federal de Curitiba. Demorou 16 meses para se dar conta de que o lançamento de bolas nas costas tornou-se o esporte preferido de Bolsonaro. A indicação de Aras para o comando da Procuradoria compôs essa rotina.

Dizia-se que Bolsonaro não ousaria escolher o sucessor de Raquel Dodge sem consultar Moro. Escolheu. Afirmava-se que jamais indicaria um nome que não tivesse a simpatia pela Lava Jato. Indicou. A escolha produziu um fenômeno usual na política: a junção dos interesses de sujos e mal lavados. Aras aproximou Bolsonaro de Renan Calheiros. Uniu-os a simpatia pela ideia de impor freios ao ímpeto investigativo inaugurado pela Lava Jato em 2014.

A harmonização de propósitos foi exposta na frente das crianças durante a sabatina que precedeu a aprovação do nome de Aras no plenário do Senado. Renan não conseguiu conter o entusiasmo. "Sou oposição, integro esse campo com muita satisfação. Sou um crítico do governo, mas tenho isenção suficiente para reconhecer que, de todos os atos do presidente Jair Bolsonaro, talvez o mais acertado e significativo seja o da indicação do doutor Augusto Aras para exercer esse honroso posto de chefe da Procuradoria-Geral da República."

Freguês de caderneta da Lava Jato, Renan passou a conviver no Senado com Flávio Bolsonaro, o Zero Um, investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por suspeita de peculato e lavagem de dinheiro. Interessa ao campeão do arcaísmo e ao primogênito de um hipotético modernizador da política aplicar um sedativo no aparato fiscalizatório do Estado. Aras mostrou-se à altura do desafio.

Durante a sabatina, referiu-se à Lava Jato como um "marco importante" no combate à corrupção. Mas avisou que os métodos da força-tarefa de Curitiba seriam aperfeiçoados. Numa resposta em que comentou os excessos atribuídos a Deltan Dallagnol, disse ter faltado "cabelos brancos" ao grupo de jovens procuradores que ele coordenou em Curitiba. Defendeu a restauração do "princípio da impessoalidade".

Dentro de um mês, a chefia de Aras na Procuradoria fará aniversário de um ano. Foi um período de alta produtividade. Além de desossar a Lava Jato, o procurador-geral e sua equipe ajudaram a levantar o tapete de Wilson Witzel, cavando o afastamento judicial do desafeto dos Bolsonaro do governo do Rio.

Às voltas com um estado em ruínas, o governador interino Rio, Cláudio Castro reúne-se nesta quinta-feira com Paulo Guedes para tratar da renovação de acordo de rolagem da dívida fluminense. Abre-se a perspectiva de que o Planalto influencie na escolha do novo chefe do Ministério Público do Rio de Janeiro, o órgão que tritura o Zero Um. Para quem tramava apenas uma intervenção na Polícia Federal do Rio de Janeiro, Bolsonaro foi longe demais.


Por Josias de Souza

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