Óleo cru chega às praias de Salvador. Não se conhecem ainda as circunstâncias do acidente. Acusação de Bolsonaro é irresponsável Imagem: Shirley Stolze/Ag. A TARDE |
Ainda sobre o discurso de Jair Bolsonaro na ONU, também os temas que se juntaram ao meio ambiente e à Covid-19 mereceram tratamento ligeiro, precário.
No que respeita às relações internacionais, o presidente acusou:
"Em 2019, o Brasil foi vítima de um criminoso derramamento de óleo venezuelano, vendido sem controle, acarretando severos danos ao meio ambiente e sérios prejuízos nas atividades de pesca e turismo."
O acidente aconteceu. Não há a menor evidencia de que tenha sido criminoso. Bolsonaro estava apenas alimentando a hostilidade à Venezuela, depois de, pateticamente, ter permitido que Mike Pompeo, secretário de Estado dos EUA, tenha usado a base de auxílio aos refugiados em Roraima para fazer proselitismo eleitoral.
Ainda à esteira da sabujice a Donald Trump, mandou ver:
"Os acordos de paz entre Israel e os Emirados Árabes Unidos, e entre Israel e o Bahrein, três países amigos do Brasil, com os quais ampliamos imensamente nossas relações durante o meu governo, constitui excelente notícia. O Brasil saúda também o Plano de Paz e Prosperidade lançado pelo Presidente Donald Trump, com uma visão promissora para, após mais de sete décadas de esforços, retomar o caminho da tão desejada solução do conflito israelense-palestino. A nova política do Brasil de aproximação simultânea a Israel e aos países árabes converge com essas iniciativas, que finalmente acendem uma luz de esperança para aquela região."
O Brasil sempre manteve relações estreitas com países árabes — e não houve mudança de status no governo Bolsonaro — e com Israel. Sim, o presidente chegou a anunciar a mudança da embaixada do Brasil de Telavive para Jerusalém, projeto adiado justamente em razão da reação negativa de países árabes.
O tal Plano de Paz e Prosperidade de Trump serve à campanha eleitoral americana e é parte das jogadas do presidente dos EUA. Emirados e Bahrein nunca entraram em guerra com Israel. Chamar a aproximação de "plano de paz" é retórica oca. Se Bolsonaro quer afirmar que o Brasil passou a ter com os palestinos a mesma hostilidade que tem o governo Trump — como mais uma evidência da sabujice —, então, aí sim, se pode falar numa mudança de postura.
O presidente falou ainda sobre o acordo Mercosul-União Europeia, que estaria chegando a uma fase conclusiva. Bem, dizer o quê? O dito-cujo subiu no telhado. E de lá não desce tão cedo. E as restrições são justamente de natureza ambiental.
CRISTOFOBIA
Acenando à sua base evangélica, afirmou:
"Faço um apelo a toda a comunidade internacional pela liberdade religiosa e pelo combate à cristofobia."
Duvido que ele próprio saiba do que está falando. O termo se aplica a milícias islâmicas que hoje perseguem cristãos em alguns países da África — especialmente Nigéria — e da Ásia, particularmente a Indonésia.
Dado o fluxo do discurso, prece ter sido algo acrescentado de última hora, no joelho, para acenar a um público em particular.
E, claro, no encerramento, não poderiam faltar Deus e a tal família:
"O Brasil é um país cristão e conservador e tem na família sua base."
Jamais a palavra "conservadorismo" foi tão mal empregada como nestes tempos. Até porque, a depender do que se entenda por isso, parece muito pouco "conservador" um homem ter filhos com três mulheres distintas, estando já no terceiro casamento.
A mim não incomoda nem um pouco. Mas de que conservadorismo ele fala? Não é, por exemplo, o do catolicismo, que considera o matrimonio indissolúvel.
É que "conservadorismo" bom é só aquele que Bolsonaro e os seus praticam, não é mesmo? Ou quase.
Quanto à família, pergunta-se: que sociedade humana, não importa o estágio de desenvolvimento em que se encontre, não tem na família a sua base?
"Ah, Reinaldo, é que se trata da família entendida como papai, mamãe e filhinhos... A família tradicional. Trata-se de uma nota coberta de homofobia".
Ah, bom. Então lamento mais ainda. Sou progressista.
Quando Carlos Bolsonaro morava com seu primo, Leo índio, eu não teria nenhum problema em chamar a união de família. Até porque eles cuidavam juntos de Pituka, com "K", a cadelinha.
Viva a família progressista!
Por Reinaldo Azevedo
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