quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Editorial do Estadão - Bolsonaro, como se sabe, não governa o Brasil (Tudo pela reeleição)



O presidente Jair Bolsonaro, como se sabe, não governa – não só por sua patente incapacidade, mas também, como está ficando a cada dia mais claro, por cálculo político.

Quem governa deve necessariamente assumir responsabilidades, e muitas vezes, em razão disso, acaba por indispor-se com seu eleitorado, pois muitas decisões duras devem ser tomadas mesmo que acarretem impopularidade e risco eleitoral. Assim agem os estadistas.

Já Bolsonaro, que só pensa em reeleição e jamais desceu do palanque, tudo faz para se livrar do fardo político que lhe foi designado na eleição de 2018. Sempre que vê seu projeto pessoal ameaçado, não titubeia: atribui a terceiros as consequências muitas vezes nefastas de seu modo caótico de administrar o País – e não raro esses terceiros fazem parte de seu próprio governo. É espantoso.

O último episódio dessa série já constrangedora de pusilanimidade foi a repreensão pública de Bolsonaro à sua equipe econômica em razão da informação, divulgada pelo secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, de que o governo cogitava da hipótese de congelar por dois anos o reajuste das aposentadorias para financiar o Renda Brasil, programa com o qual o presidente pretendia deixar sua marca na área social, no lugar do Bolsa Família.

“Acordei hoje surpreendido por manchetes em todos os jornais”, disse Bolsonaro em vídeo divulgado ontem. Em seu já conhecido linguajar trôpego, discursou: “Eu já disse há poucas semanas que jamais vou tirar dinheiro dos pobres para dar aos paupérrimos. Quem porventura propor uma medida como essa, eu só posso dar um cartão vermelho para essa pessoa. É gente que não tem o mínimo de coração, não tem o mínimo de entendimento de como vivem os aposentados do Brasil”.

A indignação de Bolsonaro contra gente de seu próprio governo é o ponto alto de sua ofensiva para se dissociar de tudo o que possa ameaçar sua reeleição. Já havia sido assim no auge da pandemia de covid-19, em que atribuiu ao Supremo Tribunal Federal, aos governadores de Estado e a dois ministros da Saúde que se recusaram a receitar cloroquina a responsabilidade pela escalada da crise econômica e das mortes.

Também foi assim quando, recentemente, os preços dos alimentos, em especial do arroz, subiram nos supermercados: ignorando que o livre mercado está inscrito na Constituição, o presidente fez pose de campeão dos consumidores ao mandar o Ministério da Justiça cobrar explicações dos empresários, reinventando um tal de preço abusivo. O mesmo comportamento se verificou em fevereiro deste ano, quando Bolsonaro atribuiu aos governadores de Estado a culpa pela alta dos preços dos combustíveis, pois segundo ele não abriam mão de arrecadação de ICMS e alguns só pensavam em reeleição.

O bode expiatório da vez é o Ministério da Economia. É forçoso reconhecer que a proposta de congelar o reajuste de aposentadorias para bancar um programa de transferência de renda é de uma perversidade inominável, mas nada surpreendente vinda de um governo cujo ministro da Economia já havia proposto taxar seguro-desemprego, entre outras barbaridades, como a recriação da CPMF com outro nome.

O fato é que Bolsonaro agora tenta se dissociar das soluções propostas sob o comando de Paulo Guedes, mesmo tendo desde sempre total conhecimento da natureza de suas ideias e depois de passar a campanha inteira e boa parte de seu mandato a atribuir ao “superministro” plena autonomia para conduzir a pasta.

Depois de experimentar as delícias da popularidade ao distribuir dinheiro a quem se viu privado de renda na pandemia, Bolsonaro mandou seu Ministério da Economia fazer a mágica de criar um programa de transferência de renda sem cortar despesas. Como isso não é possível, Bolsonaro anunciou que “no meu governo está proibido falar a palavra Renda Brasil” e, como sempre, já escolheu a quem responsabilizar pelo fiasco.

Diga o que disser, o presidente Bolsonaro é o único responsável pela escolha de sua equipe e pelas medidas por ela tomadas, razão pela qual, goste ou não, em algum momento terá de responder por todos os seus atos – e não somente por aqueles que dão voto.

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