Não há lei que obrigue o presidente da República a divulgar exames médicos. Mas o bom senso pede transparência. Jair Bolsonaro alega que tem direito à privacidade, como qualquer cidadão. Isso é um engano. Um presidente não é um cidadão qualquer. Os dados sobre sua saúde têm interesse público. Ninguém vira presidente por pressão, mas por opção. E quem se candidata a esse posto sabe —ou deveria saber— que, uma vez eleito, o direito à privacidade passa a ser relativo.
Bolsonaro diz que não foi infectado pelo coronavírus. Mas se nega a exibir os exames. Um jornal, 'O Estado de S.Paulo', obteve na Justiça o direito de apalpar os testes laboratoriais do presidente. Uma juíza deu 48 horas para a apresentação da papelada. O Planalto deu de ombros. Forneceu um relatório elaborado pela coordenação médica da própria Presidência da República. Coisa de 18 de março, com dados referentes a exames realizados em 12 e 17 de março. Por que tanto mistério? O presidente diz que se considerará "violentado" se tiver de exibir seus dados médicos. Aqui, há uma inversão de valores. O presidente é que violenta a lógica, o bom senso.
O Brasil é calejado em matéria de saúde presidencial. Na virada da ditadura para a democracia, por exemplo, os brasileiros imaginaram que assumiria a Presidência Tancredo Neves, eleito no colégio eleitoral com sólido apoio das ruas. Descobriu-se na véspera da posse que a saúde de Tancredo estava bichada. Assumiu José Sarney, egresso da ditadura. Seguiu-se uma longa internação médica. Durante essa internação, a empulhação a que foi submetida a imprensa crescia na proporção direta do agravamento do quadro de saúde de Tancredo. Depois de muita mentira, morreu o presidente.
Não se deve partir do pressuposto de que Bolsonaro está mentindo. Mas a recusa do presidente em exibir os seus exames estimula os boatos. O Planalto deveria render homenagens à transparência e ao interesse público. Assim se comportam os homens públicos sérios ao redor do mundo. O problema é que bom senso e Bolsonaro são coisas inconciliáveis.
Por Josias de Souza
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