O conjunto da obra é de tal sorte indecente que custa a crer que o governo esteja levando a coisa mesmo a sério ou que suponha que ela possa ser aprovada no Congresso. Pior: se for, aí é sinal de que já nem o brejo que engoliu a vaca existe mais. Adicione-se outra consideração: estaremos diante da evidência de que é este, com efeito, um governo militar que foi transformando em fantoche o presidente eleito nas urnas — cuja popularidade, como se sabe, está em ascensão.
A que me refiro? Agora é para valer. Não é mais conversa de bastidores, sujeita a desmentidos oficiais. Jair Bolsonaro deu autorização para que se amplie em R$ 2,27 bilhões a verba prevista em 2021 para o Ministério da Defesa, que ficaria com R$ 111 bilhões. Tudo o mais constante, a proposta integrará o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), que tem de ser enviado ao Congresso até o dia 31.
O que há de essencialmente imoral? A estimativa, por ora, para o Ministério da Educação, é de R$ 102 bilhões.
A alteração em favor da Defesa consta de ofício do próprio Ministério da Economia. Lá está escrito:
"[...] tendo, em 17 de agosto de 2020, submetido à consideração do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, que decidiu modificar a distribuição de recursos feita naquela reunião, resultando em alteração nos referenciais monetários informados ao MD (Ministério da Defesa)".
Se, até aqui, o escândalo pareceu pequeno, esperem um pouco que vem mais. O governo estuda seriamente deixar para 2022 o Censo Demográfico do IBGE referente a 2020, que estava previsto para o ano que vem, a um custo de... R$ 2 bilhões. Se acontecer, será, como se vê, o segundo adiamento. O dinheiro, obviamente, seria redistribuído para outras áreas, inclusive para a Defesa.
O censo é a principal pesquisa do país e fornece os dados necessários justamente para medir, por meio de macrodados, o impacto de políticas públicas e para orientar as vindouras. Ora, pesquisa no governo Bolsonaro? Para quê? O propagandista da cloroquina, como sabemos, não precisa do aporte da ciência para fazer escolhas.
O adiamento já foi debatido na chamada Junta de Execução Orçamentária. E se terá uma boa desculpa para tanto: ainda os efeitos da pandemia. Quando se quer tomar o dinheiro de uma área obviamente estratégica para o país para transferir a quem detém as armas, vale qualquer argumento. É do balacobaco!
Nesta terça-feira, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, deu o tratamento adequado à questão. Afirmou:
"O governo ainda não encaminhou a proposta. É claro que os recursos para Educação serão maiores do que os recursos para a Defesa. Isso é óbvio. Não tenho dúvida. Imagina se o presidente da República vai assinar uma proposta onde os recursos da Defesa sejam maiores do que os recursos para a Educação... Não faz nenhum sentido, nem do ponto de vista político. Para mim, não faz sentido".
É claro que não faz! Até porque, reitero, a proposta orçamentária tem de ser aprovada pelo Congresso. Quem seria maluco o suficiente para aprovar tal aberração?
Não deixa de ser curioso: aqui e ali, militares da ativa e da reserva não cansam de exaltar o patriotismo das Forças Armadas. Alguns pretendem mesmo que a força militar seja a tutora da sociedade. Bem, nesse caro, a coisa iria além da tutela. Os militares se comportariam mesmo como os donos do país.
Maia deixou claro que se negava mesmo a acreditar na aberração:
"Como é especulação, eu não quero ficar discutindo especulação. Eu acredito que o presidente da República, por óbvio, não vai encaminhar uma proposta onde você tenha mais recursos para a Defesa e menos para a Educação. É a minha opinião. Eu vou esperar a proposta do governo para que a gente discuta baseado em dados e não em especulações, que às vezes a gente fica discutindo o que não existe ou não vai existir".
Bom, que não vai existir, acho que não mesmo porque o Congresso, suponho, não aceitaria. Lembrem-se da sova que o governo levou no caso do Fundeb. Mas é, sim, verdade, deputado! Há lá o ofício do Ministério da Economia com o pedido de ampliação da verba da Defesa.
Os militares perderam a mão e estão desempenhando um papel melancólico e perigoso no governo. Não é a primeira vez que endossam um erro do presidente ou que, pior!, a tanto o induzem.
Eis o Bolsonaro que quer vitaminar o Bolsa Família, criando o tal "Renda Brasil". Uns caraminguás nas mãos dos humildes, afinal, rendem mais votos, no curto prazo, do que a verba para a Educação. Como um modelo de gestão do país, pode-se dizer que, com uma escola deficiente, mantém-se carente a clientela dos beneficiários de programa de renda. E, assim, setores da população seguem cativos, dependentes e sem instrução.
Por Reinaldo Azevedo
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