A articulação política do governo continua confusa e ineficaz, o que conduziu o Planalto a uma derrota importante no Senado: a Casa derrubou o veto do presidente ao reajuste de servidores envolvidos diretamente no combate à pandemia.
Como devem se lembrar, no pacote de ajuda aos Estados e municípios para compensar a perda de arrecadação, o governo federal se comprometeu com um repasse de R$ 60 bilhões a esses entes. O pacote de ajuda contempla ainda a suspensão do pagamento de dívidas com a União e com bancos públicos — com um impacto estimado em, no mínimo, R$ 50 bilhões — e o refinanciamento de débitos com organismos multilaterais: outros R$ 10 bilhões pelo menos.
Assim, nas contas oficiais, o socorro a Estados e municípios custa entre R$ 120 bilhões e R$ 125 bilhões. O governo exigiu que a ajuda fosse condicionada ao congelamento dos salários do funcionalismo até 2021. Os parlamentares — e o texto começou a tramitar no Senado — concordaram em parte: aprovaram o congelamento, mas excetuando as categorias diretamente envolvidas com o combate à pandemia. Líderes do próprio governo chegaram a concordar com o texto, mas Guedes estrilou. E Bolsonaro, então, vetou as exceções.
O que fez o Senado nesta quarta, surpreendendo o Planalto e a equipe econômica? Derrubou o veto por 42 votos a 30. A derrubada só é possível por maioria absoluta dos parlamentares de cada uma das Casas: 41 senadores e 257 deputados. Como se nota, o governo precisaria ter tirado apenas dois votos do grupo vencedor. Os senadores em questão nem precisariam endossar o veto. Bastaria se ausentar da votação, como fizeram alguns.
Caso a Câmara siga o Senado, o governo fala em impacto nas contas públicas de até R$ 130 bilhões, mas técnicos da Economia o estimam, na verdade, em R$ 98 bilhões.
Em tempos normais, vetos presidenciais são votados em sessão conjunta, com as duas Casas reunidas. Com as votações a distância, fez-se primeiro o escrutínio no Senado. A Câmara apreciaria a matéria em seguida, mas o Planalto conseguiu adiar a votação para esta quinta. Será o primeiro teste importante do novo líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PP-PR).
A coisa se complicou para o governo. Será preciso ter muita habilidade, o que falta a Paulo Guedes, que já saiu chutando a canela dos senadores. Não custa lembrar: o texto aprovado em abril pela Câmara era muito diferente daquele que saiu do Senado. Previa que o governo federal reporia os valores do ICMS dos Estados e do ISS dos municípios de abril a setembro com base no montante arrecadado em 2019. Vale dizer: o governo complementaria o que faltasse. Nas contas da Casa, o pacote custaria R$ 98 bilhões. E não se tocava em congelamento de salários.
O Ministério da Economia inventou um número fabuloso, afirmando que o socorro poderia custar a estratosférica quantia de R$ 280 bilhões. Não havia como, mas o argumento terrorista colou. E então se partiu para negociar uma nova proposta a partir do Senado, tendo Davi Alcolumbre (DEM-AP) como principal negociador.
Chegou-se, então, à ajuda conhecida, com a proibição do reajuste ao funcionalismo, mas com aquelas exceções. Na Câmara, o projeto sofreu pequenas alterações e voltou ao Senado, sendo aprovado no dia 6 de maio. Guedes pressionou e Bolsonaro eliminou as exceções. Todos os servidores, das três esferas, ficariam com vencimentos congelados até o fim de 2021.
Entenderam a dificuldade que haverá agora na Câmara? O texto que a Casa havia aprovado e que foi preterido em benefício daquele que começou a tramitar no Senado era mais generoso e não falava em congelamento de salários. O governo conseguiu emplacar a tese parcialmente no Senado. E ficou acordado, então, com lideranças das duas Casas, que algumas categorias seriam poupadas do congelamento.
Ocorre que Guedes não gostou do entendimento e fez pressão pelo veto. Bolsonaro cedeu a contragosto. E, como se vê, não se conseguiu segurar a peteca no Senado.
Guedes, um desastre político ambulante, saiu atirando:
"Colocamos muito recurso na crise da saúde, e o Senado deu um sinal muito ruim, permitindo que justamente recursos que foram para a crise da Saúde possam se transformar em aumento de salário. Isso é um péssimo sinal. Temos que torcer para a Câmara conseguir segurar a situação. Pegar dinheiro de Saúde e permitir que se transforme em aumento de salário para o funcionalismo é um crime contra o País".
Olhem aqui: é desejável que se contenham os gastos, é evidente. Trabalhadores da iniciativa privada arcaram com os custos da pandemia, com redução de salário e de jornada e a pior de todas as coisas: o desemprego. Os servidores têm a garantida da irredutibilidade dos vencimentos, e se lhes impôs apenas um congelamento. É razoável? É razoável.
Guedes, no entanto, não ajuda quando afirma que se estaria pegando dinheiro da Saúde para pagar servidores. Isso é conversa mole e retórica agressiva e inútil. O dinheiro da reposição não chega a Estados e municípios com carimbo.
Além de ter um plano para o Brasil, o que ele não tem, o ministro precisa conter a verborragia. Seria útil ao país e ao próprio governo.
Por Reinaldo Azevedo
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