terça-feira, 25 de agosto de 2020

Não há cura para os médicos que foram ao Planalto defender a cloroquina


Reprodução

Foi com enjoo que li o que segue abaixo, na Folha:

Além de insistirem no uso de cloroquina para a Covid-19 mesmo sem comprovação científica, médicos bolsonaristas que estiveram com o presidente nesta segunda (24) sugeriram a ele incluir o medicamento no programa Farmácia Popular, que oferece remédios com valores reduzidos ou gratuitos, bancados pelo governo. O objetivo é dar acesso aos mais pobres, passando por cima de diretrizes de estados e municípios que hoje vedam seu uso indiscriminado nas redes públicas contra a doença.

Os médicos estiveram no Palácio do Planalto para o evento "Brasil Vencendo a Covid-19", que foi uma apologia do uso do medicamento. A prescrição vai no sentido contrário dos estudos recentes mundo afora.

Uma das participantes do movimento, a médica Raíssa Oliveira falou na cerimônia e chamou o remédio de "nossa linda e velha cloroquina". Ela disse também que a população não precisa mais se desesperar com o coronavírus, ao defender o uso do medicamento.

O pleito chega em um momento de baixa do Farmácia Popular --o Ministério da Economia avalia eliminar o programa, que custa R$ 2,5 bilhões por ano, para financiar o Renda Brasil. O discurso é que o benefício atende mais aos ricos do que aos pobres.
(...)

RETOMO
Bem, dizer o quê?

Em boas democracias, esses médicos estariam encrencados junto ao conselho que trata da profissão. Não por aqui. Tanto o Conselho Federal de Medicina como a Associação Médica Brasileira escolheram, na prática, o caminho da omissão, o que abre caminho para mistificadores.

Imagine, leitor, você diante do seu médico. Depois de examiná-lo e discorrer sobre o seu mal, o doutor lhe recomenda um suco diário de jiló com quiabo. Em jejum! O amargor de um se junta à baba do outro em seu suposto benefício. E você pergunta: "Mas está provado que isso faz bem?" Ele então responde: "Não! Mas não há alternativa".

É claro que você deve sair correndo.

E olhem que o exemplo não é exatamente bom porque desconheço efeitos colaterais decorrentes de uma dieta com jiló e quiabo. Talvez até seja revigorante... Não é o caso da cloroquina, que está longe de ser irrelevante para o organismo. Estamos diante de uma estupidez política, diante da qual uma parcela dos médicos se calou em razão do alinhamento ideológico com o poder.

E outra foi ao palácio coonestar uma farsa negacionista.

Pior: os que sugerem que a cloroquina seja distribuída ou vendida por meio da chamada Farmácia Popular tentam driblar diretrizes de Estados e municípios.

O troço é tão asqueroso que, na prática, o que se está a fazer é pedir que o presidente incentive a população a aderir à automedicação. Para que isso salte para o uso preventivo do remédio, não custa nada.

Santo Deus! Lá estavam profissionais que são regidos por um Código de Ética. Mas quem deveria aplicá-lo? Ora, o omisso conselho profissional.

O Brasil vive, antes de mais nada, um pesadelo intelectual.

Se esse é o aparato reacional que tais médicos emprestam na relação com os pacientes, sou forçado a concluir que estes estão correndo um risco adicional, além daqueles associados à doença.

FIM DA FARMÁCIA POPULAR
A proposta, que me parece filo-homicida, pode não prosperar porque o governo está prestes a tomar uma decisão moralmente dolosa: extinguir o programa Farmácia Popular, que atende, entre remédios a baixo custo e gratuitos, a 21 milhões de pessoas.

Os R$ 2,5 bilhões destinados ao dito-cujo seriam garfados para ajudar a sustentar o tal Renda Brasil. Alguém dirá então: "Dará na mesma! Corta-se o remédio gratuito, mas mais gente terá a acesso ao Bolsa Família". É coisa de quem não conhece política social. Quem precisa dos recursos de um programa de renda para viver não terá dinheiro para, por exemplo, comprar remédios contra hipertensão e diabete, que hoje são distribuídos gratuitamente.

Uma das consequências seria o aumento da demanda por atendimento nos hospitais públicos em decorrência desses males. No caso da hipertensão, que é sorrateira e assintomática, a decisão pode ser verdadeiramente homicida. Sem o controle, proporcionado pelo remédio, o risco é haver um aumento de acidentes vasculares, por exemplo.

Isso, sim, deveria mobilizar os médicos que foram ao Planalto. Mas lá estavam para lamber os sapatos de Bolsonaro e para defender a, como mesmo?, "linda e velha" cloroquina.

Não há remédio para esse tipo de loucura.

Por Reinaldo Azevedo

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