quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Guedes terá de inventar um outro desenho para o seu "socialismo da pobreza"


Presidente Jair Bolsonaro discursa em Ipatinga, em Minas, e manda seu ministro da economia para a frigideira - Marcos Correa/Agência O Globo

Até a semana passada, Paulo Guedes prometia o "Big Bang" econômico, nada menos do que a explosão que deu origem ao Universo. Trata-se de um estilo. E a modéstia não é a praia dele faz tempo. Como é mesmo a conversa do fim de 2018? O Brasil teria sido governado 30 anos pela social-democracia, pela centro-esquerda, um modelo econômico que corrompeu a política... E teria chegado, então, a hora da aliança entre os liberais, que o ministro julga representar, e os conservadores, de que Jair Bolsonaro seria a expressão...

Como diria o nosso presidente, deu "nisso daí".

O Big Bang juntaria tudo ao mesmo tempo agora, atendendo, então, à revolução liberal e também à recém-conversão de Bolsonaro ao, digamos, social-eleitoral. Mas com que dinheiro? Bem, essa é a pergunta que não quer calar e que não tem resposta porque, por ora, dinheiro não há.

Nesta quarta, o ministro foi desmoralizado em praça pública pelo presidente. Suponho que, nesta quinta, venha um afago. Ontem, os mercados pioraram um pouco. Se Bolsonaro disser daqui a pouco: "Ah, o Guedes fica". Aí eles melhoram. Até quando? Ah, meus caros, sei lá eu.

O fato é que o subiu no palanque em Ipatinga, em Minas, e entregou seu ministro da Economia às cobras. Ao anunciar que havia suspendido o lançamento do tal programa econômico-social, o presidente mandou ver:
"A proposta, como a equipe econômica apareceu para mim, não será enviada ao Parlamento. Não posso tirar de pobres para dar para paupérrimos".

Ele se referia ao fato de que Guedes até aceitava elevar o tal programa Renda Brasil para perto dos R$ 300 — talvez R$ 270 —, mas, para tanto, precisava enfiar a mão no bolso dos próprios pobres. Dançaria, por exemplo, o abono salarial, que o presidente lembrou que chega a 12 milhões de pessoas. O guedismo até espalhou na imprensa que esse é benefício que também ricos recebem porque leva em conta o ganho de uma pessoa — até dois mínimos —, não a renda da família.

Quando se começa a chamar de "rico" quem ganha até dois mínimos porque, afinal, a sua família etc. e tal, podem acreditar: esse governo está com problema.

Não é só o abono salarial, não. Na conta de Guedes está uma outra proposta moralmente dolosa: acabar com o Farmácia Popular, o que condenará idosos à morte porque não terão como comprar hipertensivos e remédios contra o diabetes, hoje distribuídos de graça. Também dançaria o seguro-defeso e outro penduricalhos. Como escrevi aqui, eis o verdadeiro socialismo da pobreza: tira de pobre para dar aos pobres. Nas palavras de Bolsonaro, que me plagiou, tira do pobre para dar aos paupérrimos.

O presidente experimenta os benefícios da elevação da popularidade por causa do auxilia emergencial. Não quer perder isso. Por alguma razão, Guedes achou que ninguém perceberia onde estava o pulo do gato da ampliação do Renda Brasil, que o presidente cobra dele. Não seria mais honesto dizer: "Olhe, não há dinheiro e pronto! Não posso fazer mágica". E assim não se ameaçariam os velhinhos com a falta de remédios, não é mesmo?

Acreditem: o Farmácia Popular é um dos programas sociais de maior alcance o país. Atendeu a 21 milhões de pessoas no ano passado. A um custo, quando se considera o gigantismo da máquina, ridículo: R$ 2,5 bilhões. Falar em cortar esse benefício é coisa de mente perversa.

O estoque de maldades que antecede a criação do universo de Guedes não para por aí. O presidente quer R$ 300 no tal Renda Brasil? Então a classe média terá de abrir mão, diz o ministro, das deduções no Imposto de Renda de parte dos gastos com saúde e educação. Vai doer, se acontecer, no bolso do que eu chamaria de coração do eleitorado... bolsonarista.

E aí vêm as contas um tanto malandras. É verdade: os chamados 10% mais ricos do Brasil capturam, segundo o Relatório da Desigualdade Global, da Escola de Economia de Paris, 55% da renda. Acontece que o 1% dos super-ricos (1.4 milhão de adultos) — ficam com mais da metade: 28,3%. Já os 50% mais pobres (71,2 milhões) têm de se contentar com 13,9% do conjunto de todos os rendimentos. Vale dizer: 71,2 milhões ficam com menos da metade do que levam 1,4 milhão de adultos.

Duvido um pouco que Bolsonaro conheça esses números no detalhe. Mas alguma percepção há de ter, já que pretende disputar a reeleição. Dado esse quadro, soa essencialmente imoral e, certamente, é politicamente explosivo querer tirar dos pobres para dar aos paupérrimos. Guedes terá de inventar outro desenho para seu socialismo da pobreza.

Por Reinaldo Azevedo

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