sexta-feira, 21 de agosto de 2020

"Ela não chorou" - Felicio Vitali


Professora paulista demitida depois de dizer que menina de 10 anos ...
Professora demitida após declarações sobre o caso.
Sara e a ministra Damares

Se houvesse um prêmio Nobel para hipocrisia, hoje o Brasil seria um campeão de indicações e todos os anos sairia, com certeza, com o prêmio máximo. 

Agora mesmo acabamos de assistir um movimento contra uma decisão judicial, que autorizou a menina de apenas 10 anos interromper a gravidez. 

Achávamos que sobraria solidariedade dos religiosos, das autoridades governamentais e dos movimentos sociais, né? Eu pelo menos pensei que haveria uma rede de proteção à criança e outra de repudio ao monstro estuprador. 

Mas não, o que se viu foi um balaio de gato na terra do "engenheiro formado". Gente de todo tipo resolveu se meter, e quem deveria por ofício fazer alguma coisa pela criança, adivinha, ficou contra a criança. 

Pra não variar a igreja católica e a evangélica, resolveram que não se devia interromper a gravidez. Como pimenta no "fiofó duzotro" é supositório de menta, bispos e pastores acusaram o pecado na prática do aborto. Mas não deram um piozinho sobre os crimes de assédio e estupro. Acho que não precisa perguntar por que, né não? 

Até aquela ministra, chegada numa goiabeira, que deveria assegurar os direitos da criança, achou de mandar seus abutres para convencer a avó da menina a não permitir o "crime". Quem será que vazou o nome da criança e o hospital designado para o procedimento? 

O ministério, sem ministro, que deveria gritar com uma nota técnica e acender uma luz para a ignorância, avisando que a criança, a insistir com a gravidez, tinha uma grande probabilidade de morrer, fez um doído silêncio. Mas também, pra quem já se acostumou com mais de mil mortes por dia, não parecia mesmo muito sensato explicar porquê era importante salvar uma "vidinha" qualquer. 

Nesta marcha de insensatez, de repente, pra quem desceu da lua, pareceu que a criança ficou grávida numa brincadeira de orgia sexual no jardim de infância e depois achou de abortar, como quem enjoou da boneca e queria joga-la no lixo, só de pirraça. Coisa de criança mimada, né? Afinal, como a maldade humana não tem limites, diz uma professora Paulista: "Ela não foi chorar pra mãe. Ela já tinha vida sexual há quatro anos com esse homem. Deve ter sido bem paga", 

Mas como isso está mais no propósito de vida dessas personas do que no propósito de uma criança, cujo sofrimento ainda não acabou, vai ter que mudar de cidade, começar de novo, e tentar esquecer o inferno que é viver nesta terra onde a hipocrisia é valorizada e bem compensada. E, como se tudo isso fosse pouco, ela ainda terá que carregar pro resto da vida o estigma de ter cometido o "crime" de fazer um aborto aos 10 anos. 

Que Deus proteja as nossas "pirralhas", porquê se depender do estado e dos bispos e pastores e seus fantoches, vai ter muito choro ainda, né, professora? 

Por Felicio Vitali 


2 comentários:

Anônimo disse...

Ou o Brasil acaba com o fanatismo, ou o fanatismo acaba com o Brasil.
Ou o Brasil leva a sério a Educação, ou continuará caminhando para a barbárie.

Anônimo disse...

Mais um ótimo texto de Felicio Vitali.