Flávio Morgenstern e o cunhadão e delegado, Ricardo Filippi Pecoraro. André Mendonça, ministro da Justiça, e Rolando Alexandre de Souza, delegado-geral a PF. E agora? Vai ser o quê? Imagem: Jovem Pan; RPC; Marcelo Camargo/Agência Brasil; Divulgação |
Pois é... Escrevi na terça-feira um post intitulado "Delegado da PF decide investigar quem denuncia bandido. Ou: Chame o ladrão!" Comentava reportagem de Mônica Bergamo, na Folha, que informou, então, que o chefe da Polícia Federal de Londrina, Ricardo Filippi Pecoraro, havia aberto um inquérito para investigar a atuação do Sleeping Giants Brasil, que tem alertado empresas anunciantes contra sites e páginas que fazem campanhas de ódio e espalham fake news. O site The Intercept Brasil (TIB) também publicou reportagem a respeito. E é justamente o TIB quem volta ao assunto neste sábado com uma informação que pede a pronta mobilização do Ministério Público Federal, da Corregedoria da Polícia Federal, da Direção-Geral da Polícia Federal e de André Mendonça, ministro da Justiça. Já chego ao ponto. Antes, uma breve memória sobre o caso.
Que fique claro de saída: o Sleeping Giants denuncia a pistolagem nas redes sociais no Brasil e onde quer que atue. É chamado de "grupo de extrema esquerda" por pistoleiros a soldo. A propósito: com um mínimo de honestidade intelectual, essa gente estaria obrigada a definir, então, o que é "extrema esquerda". Esta quer o quê? Um extremista de esquerda é conhecido por denunciar campanhas de ódio e fake news? Trata-se, obviamente, de mais uma mentira. Na prática, pois, o delegado Pecoraro decidiu investigar quem está se opondo à bandidagem. Essa é a questão de fundo moral.
E há a questão legal, que já deveria ter feito o delegado entrar no radar da Corregedoria e do Ministério Público Federal. Pergunta-se: onde está ao menos o indício de crime a justificar a abertura de inquérito? Inexiste! As justificativas do delegado eram — e são — de tal sorte pueris que a gente se via obrigado a perguntar se não existia algum gato na tuba. Vai aqui uma delas: "A informação de que há sites propagadores de fake news causou extremo desgaste e inconformismo a toda a população, inclusive a que vive em Londrina e nas cidades que compõem a jurisdição".
Como? A população de Londrina estaria inconformada com o fato de um site apontar práticas criminosas? E o delegado, em vez de se ocupar de bandidos, preferiu investigar os que os denunciam? Pois é. Reportagem do TIB deste sábado traz uma informação que chama à responsabilidade não apenas a Corregedoria da PF de Londrina. Quem também está obrigado a se manifestar é Rolando Alexandre de Souza, diretor-geral da PF. Reproduzo um trecho:
"O delegado da Polícia Federal que investigou o Sleeping Giants Brasil é cunhado de Flavio Azambuja Martins, mais conhecido pelo pseudônimo Flavio Morgenstern, influenciador bolsonarista em redes sociais e dono de uma página de extrema direita chamada Senso Incomum. Azambuja é crítico feroz do grupo anônimo que atua para retirar anúncios de sites que propagam conteúdo de ódio, fake news e desinformação - caso do próprio Senso Incomum.
Vamos à genealogia: Ricardo Filippi Pecoraro, o delegado, é irmão de Camila Filippi Pecoraro, uma advogada que se casou com Azambuja em 2014 em São Paulo. Tivemos acesso à certidão de casamento que comprova a união. Azambuja, após a assinatura do documento, adotou o sobrenome da mulher - Flavio Azambuja Martins Filippi Pecoraro.
Tivemos acesso também a documentos que atestam o grau de parentesco entre Camila e o policial federal Ricardo Pecoraro, seu irmão e cunhado de Azambuja, o delegado responsável pela insólita investigação que prometia ir atrás de sites que publicam fake news mas, na verdade, investigou os denunciantes, como revelamos."
RETOMO
Leiam a reportagem. A puerilidade da argumentação empregada pelo delegado para justificar seu inquérito injustificável parece encontrar uma explicação. Pecoraro estava tomando emprestado os argumentos de um parente seu, prosélito do bolsonarismo, que opera na mesma faixa dos propagadores de fake news e das campanhas de ódio.
Observem: Azambuja escreva o que quiser em sua página. Se cometer crimes, que responda por eles. É, obviamente, livre para pensar o que lhe der na telha. Entrei eventualmente em sua página duas ou três vezes porque me mandaram links por WhatsApp. Não tenho ideia da fonte de sustento de site e autor. Se não for dinheiro público, não deve satisfações a ninguém a não ser às leis e à Justiça, como qualquer cidadão.
Já o seu cunhado está se metendo numa encrenca caso Rolando Alexandre de Souza seja, de fato, um delegado-geral da PF, não um boneco de mamulengo do bolsonarismo. Azambuja é hoje uma das vozes do extremismo bolsonarista. Até poderia estar, vamos dizer, um tanto em baixa nessa fase em que Bolsonaro pegou o centrão no colo para rolar no solo. Mas essa gente se adapta com bastante facilidade às vicissitudes do poder. A captura de parte do antes demonizado centrão é agora saudada, nas páginas bolsonaristas, como evidência da inteligência política de Bolsonaro.
NÃO PODE
O chefe da Polícia Federal em Londrina não pode, por óbvio, pertencer a um grupo de militância política e abrir um inquérito contra quem não cometeu crime nenhum seguindo os conceitos, preconceitos e interesses ideológicos, entre outros, de seu cunhado. Se o fez, deixa de cumprir as obrigações de alguém que é contratado pelo Estado brasileiro para investigar e combater crimes e passa, ele próprio, a praticá-los.
Como inexiste razão objetiva a justificar o inquérito aberto, é preciso que a Polícia Federal apure, no âmbito da própria corporação, se há motivações de índole subjetiva. E cumpre ao Ministério Público — no caso, o Federal —, que faz o controle externo da atividade policial, a abertura de um procedimento investigativo para apurar se houve cometimento de crime, inclusive e muito especialmente, o de abuso de autoridade.
A Polícia Federal de Londrina — cidade que abriga hoje alguns dos mais estridentes militantes da extrema direita brasileira — não pode ser chefiada por um militante político. Cumpre ao delegado-geral da Polícia Federal decidir se ele quer ser o chefe da Polícia Judiciária da União ou se esse ente do Estado vai se fragmentar em grupos arruaceiros, que se comportam como esbirros de um estado policial.
ANDRÉ MENDONÇA
Por nove votos a um, o Supremo determinou que o Ministério da Justiça, a quem a PF está subordinada, não pode escolher indivíduos, segundo critérios ideológicos, para fabricar dossiês. Vale dizer: o estado democrático e de direito não comporta investigações clandestinas ou imotivadas.
E, por óbvio, o mesmo vale para a Polícia Federal. Um delegado tem autonomia para conduzir suas investigações e não pode ter seu trabalho tolhido pelo delegado-geral ou pelo ministro da Justiça. Mas isso não confere ao titular do inquérito a licença para proceder a uma perseguição com viés político ou ideológico.
"Ah, mas não foi isso o que aconteceu!" Não foi? Então é preciso que Pecoraro explique que indício de crime motiva a abertura do inquérito e a óbvia identidade entre os motivos cediços por ele apontados e a militância do seu cunhado.
Assim, cumpre que o próprio ministro da Justiça cobre a responsabilidade do delegado-geral.
Ou nosso ministro está ocupado demais tentando enquadrar colunistas na Lei de Segurança Nacional por crime de opinião?
Acordem, senhores! Como sabemos, nesse caso, mais do que em qualquer outro, cunhado é parente.
OUTRO LADO
Informa o TIB:
Tentamos entrar em contato com o delegado Pecoraro e com a irmã dele, Camila, por telefone. Procuramos Azambuja por seus perfis no Twitter, Facebook e pelo chefe de redação do jornal de Olavo de Carvalho, Paulo Briguet, que nos informou que o colega bolsonarista não iria nos responder -- antes de sequer ter ouvido que perguntas faríamos. A redação, aliás, funciona em Londrina, onde moram alvos do inquérito das fake news no Supremo Tribunal Federal, e onde o policial Pecoraro trabalha. Também entramos em contato com a Polícia Federal para perguntar sobre as afrontas ao código de ética que o delegado pode ter cometido. A instituição respondeu que não irá se manifestar e que a corregedoria "tomou ciência do caso".
Por Reinaldo Azevedo
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