Investigados pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), três ex-assessores do vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos) estiveram acompanhados por advogados quando foram ao gabinete do parlamentar na Câmara dos Vereadores do Rio, em 30 de outubro do ano passado. A visita ocorreu uma semana antes de eles prestarem depoimentos ao MP no procedimento que apura, desde julho do ano passado, a existência de um esquema com funcionários fantasmas e “rachadinha” na equipe do filho “02” do presidente Jair Bolsonaro.
Em fevereiro, o GLOBO revelou imagens da portaria e documentos da Câmara Municipal do Rio obtidos via Lei de Acesso à Informação que mostravam ex-assessores de Carlos chegando ao Palácio Pedro Ernesto para ir ao gabinete dele. Nenhum deles frequentava a Câmara regularmente.
O GLOBO apurou em novas imagens que, além deles, estiveram, no mesmo momento, advogados que os assistem na investigação. Uma das advogadas presentes na ocasião, Juliana Regina de Souza Silva, admitiu que participou do encontro “a pedido do escritório onde trabalhava” com o objetivo de ajudar seus clientes, à época, a “entender o que estava acontecendo” no procedimento. As imagens da portaria mostram Juliana entrando no local, às 10h16m. O registro ocorreu minutos depois de Neula, Rafael e Rodrigo Góes, mãe e filhos, respectivamente e ex-assessores investigados, entrarem no prédio às 10h daquela da manhã.
— Estive no gabinete do vereador sim, e não me recordo a data, a pedido do escritório em que trabalhei, para entender o que estava acontecendo. Os clientes sequer imaginavam o que estava ocorrendo. É única coisa que sei sobre o procedimento em si. Não atuo no caso, nem possuo mais acesso aos autos ou qualquer informação atualizada — afirmou a advogada. Ela também companhou os três membros da família Góes em seus depoimentos ao MP uma semana depois, em 5 de novembro.
— Quando atuei no procedimento ministerial, apenas acompanhei algumas pessoas para as oitivas prestadas ao Ministério Público — disse Juliana Regina.
Contradição
Junto com a advogada também chegou na manhã do dia 30 de outubro Alberto Sampaio de Oliveira Júnior, advogado com quem ela trabalhava. O registro da Câmara mostra ele entrando no prédio também às 10h16m.
Questionado sobre sua visita, Oliveira disse que teria ficado no gabinete “uns cinco minutos, no máximo”. Os registros da Câmara mostram, no entanto, que ele ficou até às 12h39m daquele dia — a permanência ultrapassou o período de duas horas. As imagens também mostram que ele esteve no gabinete de Carlos no dia anterior, mas sozinho.
Ao comentar sobre as visitas, Oliveira disse que pretendia falar com o vereador.
— O dia que eu fui, tinha que falar com ele (Carlos), pedi para subir, mas a gente não conversou com assessores, não. Isso aí é falácia — justificou, sem dizer o motivo do encontro e alegando que não possui procuração da família Góes.
Oliveira disse ainda que considera comum a busca de aconselhamento jurídico por pessoas intimadas a prestar esclarecimentos e completou:
— Até seria antiético falar de um processo em que não estou. Agora, em relação à minha ida, eu preferia responder da seguinte maneira: os assuntos tratados dentro do gabinete, independente da presença de quem, estão restritos à esfera profissional, da advocacia, e que são resguardados o sigilo. Para mim, é indiferente quem eram as pessoas que estavam lá — completou ele.
Procurada, a família Góes não se manifestou e afirmou que o gabinete de Carlos Bolsonaro responderia quaisquer questionamentos. A defesa do vereador não retornou.
Início do mandato
Moradores de Santa Cruz, Zona Oeste do Rio, os Góes constaram como auxiliares de Carlos desde 2001 — mesmo ano em que o verador assumiu o mandato.
Nutricionista, Rafael ficou nomeado entre 2001 e 2008, mesmo período de seu irmão. Neula esteve nomeada de 2001 até fevereiro do ano passado. Rafael e o irmão, Rodrigo, receberam um total corrigido de R$ 557 mil cada. Neula somou R$ 1,4 milhão.
Em julho do ano passado, O GLOBO foi à casa da família na Zona Oeste e encontrou Rafael. Ao questioná-lo se ele havia trabalhado na Câmara, disse que “não”. Em janeiro deste ano, Rodrigo disse que só o gabinete podia falar sobre o caso:
— A minha versão é que eu converso sempre..., conversava, no caso, com o gabinete e que qualquer tipo de informação que tiver que ser repassada é via gabinete. Não dou nenhuma informação.
O vereador é investigado pelo MP do Rio desde julho do ano passado. O procedimento foi instaurado depois de a revista Época revelar, na edição de 20 de junho de 2019, que Carlos empregou sete parentes de Ana Cristina Valle. Dois deles admitiram que nunca trabalharam embora estivessem nomeados. Em agosto, O GLOBO também mostrou outros casos de ex-assessores que admitiram não trabalhar para o vereador. A investigação criminal estava tramitando junto ao Grupo de Atribuição Originária Criminal (Gaocrim). Mas desde que o STF retirou o foro especial de vereadores, o caso é investigado pelo Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc), o mesmo responsável pela investigação sobre Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz.
Família Hudson
Pouco depois que os Góes deixaram o Palácio Pedro Ernesto, outra família foi ao gabinete de Carlos na tarde do dia 30 de outubro de 2019. Às 15h05m, conforme os registros da Câmara, chegaram Guilherme dos Santos Hudson e Guilherme de Siqueira Hudson, respectivamente, pai e filho. Eles ficaram no gabinete até às 17h45m. Pouco mais de uma semana depois, no dia 11 de novembro de 2019, Guilherme foi prestar depoimento. Dois dias antes, sua mulher, Ananda, também atendeu à convocação do MP no dia 9 de novembro.
Guilherme de Siqueira Hudson, o filho, constou como assessor-chefe do vereador durante dez anos — entre abril de 2008 e janeiro de 2018. Ele é primo de Ana Cristina Siqueira Valle, ex-mulher do presidente Bolsonaro, e, apesar de todo o tempo em que ficou lotado na chefia do gabinete, jamais teve crachá. Tem residência fixa em Resende há sete anos, onde mantém um escritório de advocacia. Desde 2012, o site do Tribunal de Justiça (TJ) do Rio mostra que ele atuou em 68 processos na região de Resende e apenas cinco na capital. A cidade fica a cerca de 170 quilômetros da capital. Por todo o período nomeado, o ex-chefe de gabinete recebeu um total atualizado de R$ 2,3 milhões. Ananda Hudson, mulher de Guilherme, foi nomeada no gabinete em 1º de março de 2009 até agosto de 2010. No mesmo período, porém, ela cursava faculdade de Letras em Resende.
Já Guilherme dos Santos Hudson, o pai, é um dos investigados no inquérito que apura peculato e lavagem de dinheiro no âmbito do gabinete de Flávio Bolsonaro a partir de relatório do Coaf. Junto com o senador, ele também teve o sigilo bancário e fiscal quebrado pelo TJ do Rio em abril do ano passado e foi alvo de busca e apreensão em dezembro. Hudson recebeu pelo período em que foi nomeado cerca de R$ 17,7 mil.
Hudson pai e Hudson filho também estiveram juntos uma outra vez no gabinete de Carlos Bolsonaro no ano passado. A visita foi em 12 de junho entre às 14h21m e às 17h06m — conforme os registros do Palácio Pedro Ernesto — e ocorreu um mês depois de tornada pública a informação de que Hudson pai era investigado pelo MP do Rio no procedimento sobre o gabinete de Flávio e dois dias depois que repórteres do GLOBO estiveram na casa deles em Resende tentando entrevistá-los. Na ocasião, Hudson pai disse que “não tinha nada a declarar”.
Em O Globo
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