Na primeira manifestação pública de um membro do governo após o País ter ultrapassado a brutal marca de 100 mil mortes por covid-19, o ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazuello, afirmou que “isso (a maior tragédia nacional em mais de um século) não é apenas um número”. Durante a cerimônia de inauguração de um centro de testagem de amostras para o novo coronavírus na sede da Fiocruz, no Rio, Pazuello disse que “não foi 95 mil, 98 mil, não foi 100 ou 101 mil que vai fazer diferença (sic).
O que faz a diferença é cada um brasileiro que se perde”.
O que faz a diferença é cada um brasileiro que se perde”.
Com boa vontade, depreende-se da confusa mensagem do ministro interino que ele tenha tentado transmitir solidariedade. Seja como for, é evidente que a catástrofe não se resume a números e que cada vida perdida importa tanto para os familiares e amigos das vítimas como, coletivamente, para toda a Nação. Mas números são importantes para dar a dimensão do sucesso ou do fracasso das políticas públicas que foram adotadas – ou deixaram de ser – para conter o avanço da pandemia no Brasil. E esses números são muito claros para atestar a incompetência do governo Bolsonaro para coordenar os esforços nacionais.
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Quando o general Pazuello assumiu a pasta da Saúde interinamente, há 89 dias, o País contava 14,8 mil mortos por covid-19. Sob sua assim chamada gestão, o número de vítimas fatais da doença cresceu, até o momento, nada menos do que 600%. Não surpreende que só agora o ministro interino tenha passado a defender que “as medidas preventivas de afastamento social são medidas de gestão dos municípios e dos Estados, e nós apoiamos todas elas”.
Primeiro, Pazuello precisa esclarecer o emprego do pronome “nós”. “Nós” quem, ele e o presidente Jair Bolsonaro? Ainda estão frescos na memória dos brasileiros os motivos que levaram o presidente a demitir os dois antecessores de Pazuello no Ministério da Saúde. Tanto Luiz Henrique Mandetta como Nelson Teich perderam o cargo porque defendiam posições opostas às de Jair Bolsonaro para o bom enfrentamento da emergência sanitária, em especial a ênfase no isolamento social. Quando o ministro interino passa a defender publicamente essa política, ou Bolsonaro mudou de opinião ou Pazuello está com os dias contados na Esplanada.
Há poucos dias, o presidente Jair Bolsonaro voltou a criticar a gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. Parte da responsabilidade pelo descontrole da pandemia no País seria do ex-ministro, como se Mandetta tivesse feito parte de um outro governo, não do dele. A verdade é que desde o início da pandemia no Brasil o presidente se ocupou mais de se eximir da elevada responsabilidade que lhe cabe como chefe de governo do que da coordenação nacional das medidas de contenção dos danos provocados pelo coronavírus no País. Trata-se de atitude vergonhosa para alguém que ocupa o mais elevado cargo do Poder Executivo.
Em abril, logo após o STF reconhecer a competência concorrente da União, dos Estados e municípios em ações para combater a pandemia, tal como dispõe a Constituição, Bolsonaro foi ao Twitter para distorcer a decisão e afirmar que “o STF determinou que as ações diretas em relação ao covid-19 (sic) são de responsabilidade de Estados e municípios”. Bolsonaro segue politizando a questão, quando deveria estar governando. Há poucos dias, mandou elaborar um relatório vinculando o número de mortes a cada um dos governadores com os quais tem diferenças políticas. Ele pode seguir com seu jogo, mas a Nação não há de esquecer os nomes dos que lhe faltaram na hora mais grave.
Uma das mais distintivas qualidades de um genuíno líder é a coragem de não fugir de suas responsabilidades nos momentos de crise. Como civil, Jair Bolsonaro já deveria saber disso quando decidiu concorrer à Presidência da República. Tanto mais por ter atrelado até o limite da desfaçatez a sua imagem à do Exército Brasileiro, Força da qual saiu em desonra. Líder tíbio é uma contradição em termos.
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