quinta-feira, 14 de maio de 2020

Bolsonaro inocula na PF o vírus da esculhambação


Bolsonaro não responde pergunta sobre MP e se irrita com menção a ...

Dizer que Jair Bolsonaro frauda o discurso em defesa da ética que ostentou na campanha presidencial é muito pouco para traduzir o que sucede em Brasília. O presidente executa uma metódica e gradativa investida contra o aparato do Estado que ajudou a escancarar a roubalheira nacional.

Depois de retirar o Coaf da vitrine, escondendo-o nos fundões do organograma do Banco Central, Bolsonaro coloca a Polícia Federal num respirador, inoculando na instituição o vírus da esculhambação. O processo de asfixia conta com a luxuosa cumplicidade de um grupo de generais.

Nesta quarta-feira, ao depor no inquérito que apura as denúncias de Sergio Moro contra Bolsonaro, o delegado Alexandre Saraiva, chefe da PF no Amazonas, disse ter sido sondado, "no início do segundo semestre de 2019", para assumir o comando do órgão no Rio de Janeiro. Respondeu que "evidentemente aceitaria o convite." 

A sondagem não veio de Maurício Valeixo, então diretor-geral da PF. Tampouco foi feita por Moro, então ministro da Justiça. Quem sondou Alexandre Saraiva foi o xará e também delegado Alexandre Ramagem, chefe da Abin e amigo da família Bolsonaro.

O delegado Saraiva contou em seu depoimento detalhes sobre um encontro que teve com Moro no aeroporto de Manaus. Disse ter sido "inquirido" pelo então superior hierárquico da PF. "Saraiva, que história é essa de você no Rio de Janeiro?", indagou Moro. O delegado relatou, então, o telefonema que recebera de Ramagem.

Quer dizer: Bolsonaro testava os limites de Moro desde o ano passado. Fez picadinho da imagem do ex-juiz da Lava Jato porque encontrou material. Moro poderia ter chamado o caminhão de mudança quando Bolsonaro declarou, em agosto de 2019, no cercadinho do Alvorada, que seria "um presidente banana" se não pudesse trocar o chefe da PF do Rio e, no limite, até o diretor-geral do órgão.

A pressão exercida por Bolsonaro no ano passado resultou numa solução intermediária. O então superintendente da PF no Rio, Ricardo Saadi, foi transferido para Brasília. Mas assumiu o posto não o preferido de Bolsonaro, mas um delegado escolhido pelo então diretor-geral Valeixo: Carlos Henrique Oliveira.

Carlos Henrique também prestou depoimento nesta quarta. Ecoando o que Valeixo e o antecessor Saadi disseram ao depor na véspera, confirmou que não havia problema de baixa produtividade na PF do Rio, como alegou Bolsonaro na ocasião. Ao contrário, a superintendência estadual obteve "sua melhor classificação durante a gestão do delegado Saadi."

O doutor acaba Carlos Henrique de sofrer uma queda para o alto. Com a saída de Moro da pasta da Justiça, foi convidado a trocar a chefia da PF no Rio pela diretoria-executiva do órgão em Brasília. Talvez não dure muito na nova função, pois desmentiu Bolsonaro num segundo ponto do seu depoimento.

Há dois dias, Bolsonaro declarou aos repórteres, numa inusitada aparição vespertina na rampa do Planalto: "A Polícia Federal nunca investigou ninguém da minha família, certo? Isso não existe no vídeo [que exibe a reunião ministerial de 22 de abril, peça central do inquérito]. Estão sendo mal informados."

De acordo com Carlos Henrique, houve, sim, uma investigação eleitoral relacionada a Flávio Bolsonaro, o primogênito do presidente. Envolvia suspeita de enriquecimento ilícito. O inquérito foi encerrado sem indiciamento. No caso da rachadinha, o Zero Um também é investigado pelo Ministério Público do Rio por enriquecimento desmesurado. Varejam-se transações imobiliárias suspeitas.

A despeito das evidências em contrário, Bolsonaro empenha-se no momento em negar que tenha emparedado Moro na reunião ministerial de 22 de abril. Construiu uma versão que não fica em pé. "Não existem as palavras Polícia Federal em todo o vídeo", disse Bolsonaro aos repórteres, referindo-se à filmagem do encontro. "Não existe a palavra superintendência. Falo sobre segurança da família e meus amigos." 

Relator do caso Moro versus Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello decidirá se a gravação da reunião será divulgada na íntegra ou apenas parcialmente. Enquanto o conteúdo não vem à luz, Bolsonaro sustenta que a cobrança que fez no encontro não era dirigida a Moro, mas ao general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional, responsável pela segurança do presidente e de seus familiares.

Quem assistiu ao vídeo diz que Bolsonaro soltou um palavrão e declarou que não esperaria que sua família e amigos fossem prejudicados para fazer mudanças no Rio de Janeiro. De fato, usou a expressão "segurança no Rio" em vez de superintendência da Polícia Federal. Mas o contexto não deixa dúvidas de que ele se dirigia a Moro, não ao general Heleno. 

A versão de Bolsonaro ofende a inteligência alheia duas vezes. Na primeira, embora reconheça que fez menção à segurança da família e de amigos, o presidente se abstem de explicar um detalhe: o GSI fornece proteção a Bolsonaro e sua família, mas não fornece guarda-costas para amigos. Significa dizer que não era de segurança pessoal que o presidente falava na reunião. 

No segundo atentado, Bolsonaro ignora o Diário Oficial. Não há vestígio de mudança na equipe de seguranças do GSI. O general Heleno continua comandando uma mesa de ministro no Planalto. Na Polícia Federal, entretanto, todas as ameaças de Bolsonaro se concretizaram.

O presidente exonerou o diretor-geral Maurício Valeixo. Sergio Moro trocou a função de ministro pela de delator. Bolsonaro nomeou Alexandre Ramagem, o amigo da família, para o lugar de Valeixo. A troca só não foi efetivada porque o STF barrou a posse. Foi alçado ao cargo Rolando Alexandre de Souza, que era subordinado de Ramagem na Abin.

O primeiro ato de Rolando como chefão da PF foi mexer na superintendência do Rio. Alvejado por uma investigação no Supremo, Bolsonaro ainda não se animou a acomodar no seu Estado, berço das aflições familiares, o preferido Alexandre Saraiva, do Amazonas. Sob holofotes, teve de digerir outro nome: Tácio Muzzi.

Numa tabelinha com Bolsonaro, os generais do Planalto esforçaram-se para enfiar nos autos do inquérito versões compatíveis com o lero-lero segundo o qual o presidente falou na fatídica reunião de 22 de abril sobre segurança pessoal, não sobre troca da chefia da Polícia Federal. 

Os generais Braga Netto (Casa Civil), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) e Augusto Heleno (GSI) tropeçaram em algumas contradições. Mas, no geral, deram cobertura à versão do chefe, que tem a consistência de uma porção de gelatina.

Bolsonaro e seus auxiliares não parecem preocupados com os rumos do inquérito. Há no Planalto uma sólida, uma consistente, uma inabalável confiança na disposição do procurador-geral da República Augusto Aras de enviar o caso para o arquivo. 

Confirmando-se essa percepção, Bolsonaro terá completado o ciclo do abafamento. Já desligou o Coaf da tomada. Esculhamba a autonomia funcional da PF. Só falta a confirmação de que, ao indicar Aras para a chefia da Procuradoria, valorizou uma área do Ministério Público que a Lava Jato havia desativado: o setor do arquivo. O barulhinho que se ouve ao fundo são os aplausos do centrão.


2 comentários:

O assunto não é sério, é gozação. disse...

Três lições que o Mito já deveria ter aprendido antes de ser candidato à Presidência da República:

# Se és político, sejas sempre polido e atencioso com a imprensa. Se ocupas um cargo com o poder de autorizar ou sugerir a liberação de verbas publicitárias para veículos da imprensa, continues polido e atencioso e não provoques ou desafies a imprensa ao ponto de obriga-la a ser implacável contigo.

# A um Presidente, seja qual for a situação, o mínimo que se espera dele é que demonstre postura e compostura dignas de um Presidente.

# Se és pavio curto, gostas de ocupar o tempo provocando conflitos, não consegues ser polido, não consegues aprender e desenvolver postura e compostura adequadas ao eleito para um cargo majoritário (Presidente, Senador, Governador e Prefeito), contente-se em ser um atuante vereador, ou deputado estadual e, quiçá, um deputado federal. E sejas feliz ao teu modo.


AHT

O assunto agora é sério. disse...


Das teorias e práticas assimiladas pelo Mito para exercer o poder, nota-se atitudes típicas de diversionismo para gerar polêmicas. Mantém sempre dois ou três conflitos com inimigos reais ou imaginários. Está sempre alerta contra possíveis conspiradores, traíras e inimigos ocultos. Mania de perseguição? Bem provável. Está sempre dizendo frases de efeito, com o intuito de produzir álibi caso a crise do Covid-19 e a Economia quebrem o Brasil. Um exemplo? Quando diz para o empresariado jogar pesado com o João Doria, “A questão é séria, é guerra”, porque está em curso uma “tentativa política de quebrar a economia para atingir o governo”.

Na falta do que dizer para descer a lenha em algum inimigo, lá está a imprensa para lhe salvar e mantê-lo em evidência, pois vale tudo pelo “falem mal, mas falem de mim”. Ele sabe que não pode ficar continuamente batendo de frente com o Legislativo e nem com o STF. Com esses, ele adota o “morde e assopra”.

Como todo populista, é despreparado para desempenhar com eficácia a gestão do governo. É incompetente na liderança de uma equipe de governo formada com pessoas tecnicamente preparadas. É um líder que não distingue as diferenças entre comandar uma companhia de batalhão (com tenentes, sargentos, cabos e soldados) de uma equipe primeiro escalão do governo. Se isso não é sinal de despreparo para o cargo, então...

Prometeu não dar espaço para o “toma lá, dá cá”. E daí? Promessas, nada mais que promessas. O povo sempre esquece e contemporiza tudo, os populistas têm certeza disso.

O Mito se aproxima do Centrão com a ajuda do Roberto Jefferson, acreditando que conseguirá dar um nó nessa cambada malandra que faz tudo por dinheiro. Não consideraria que poderá se comprometer com as corrupções advindas das entregas de chaves de ministérios, órgãos públicos e estatais para o famigerado Centrão?

Ingenuidade - ou desespero - porque não está conseguindo se relacionar com o Congresso? Desespero pelas nuvens anunciando possíveis tempestades e impeachment? Disposto a pagar o que for para se livrar de denúncias que o levem até ao impeachment? Se é assim, o Brasil está abaixo e não acima de tudo? Mais uma promessa, um estelionato eleitoral?


Se assim age é porque seus reais objetivos são outros, possivelmente resultantes de desequilíbrios que o tornam insensível até à realidade que desespera o povo, com o vírus Covid-19 causando milhares de infectados e mortos, e ele teimando que todos deveriam agir do jeito que acha que deve ser, desprezando as recomendações médicas e desautorizando autoridades, além de conflitos com governadores e prefeitos. Se esse tipo de conduta não é sinal de autoritarismo... E o pior dos quadros, além da crise Covid-19, o Mito está a lembrar a todo momento que se o povo não voltar ao trabalho, a crise econômica e social poderá ser catastrófica, com desemprego e fome. Ora, se isso não é chantagem emocional para conseguir apoio popular para se impor aos poderes Legislativo e Judiciário...

Enfim, pior seria se ele não fosse o maior inimigo dele mesmo, caso contrário logo seria mais um ditador padrão latino-americano, de fazer inveja ao Maduro. Pelas falas dele, deduz-se que os ministros são peças decorativas e, por mais embasados que sejam em suas decisões, caso divirjam em alguns pontos daquilo que ele “quer porque quer”, são imediatamente desautorizados e até de forma humilhante; se não fica satisfeito com a reação do subordinado, demite ou provoca escaramuças forçando ao pedido de demissão. E, se fatos assim não são sinais de autoritarismo e trágico final da história... então, os populistas têm razão, realmente esquecemos e contemporizamos tudo.


AHT