terça-feira, 26 de maio de 2020

Aras de olho em uma das vagas no STF


Jair Bolsonaro faz suposta "visita surpresa" a Augusto Aras, na Procuradoria-Geral da República. Obviamente, trata-se de atitude tão imprópria como hostilizar o Supremo - Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República

Hummm... Uma nova dupla sertaneja se formou no Cerrado do Brasil. Jair & Augusto. Ou Bolsonaro & Aras...

Entendo que a visita, nesta segunda, de Jair Bolsonaro a Augusto Aras, procurador-geral da República foi tão "surpreendente" como a feita a Dias Toffoli, presidente do Supremo, no dia 7. Com todas as vênias à imaginação alheia, já sou maduro o bastante para não cair em certos truques. O diabo é diabo porque é velho, não porque seja sábio.

Assim como errou ao ir ao Supremo, pouco importando se houve combinação prévia ou não com Toffoli, o presidente agiu mal nesta segunda. Nem o STF nem a PGR são puxadinhos do Palácio do Planalto, por mais cordiais que se mostrem seus respetivos dirigentes. Na verdade, trata-se de um despropósito e de uma óbvia pressão.

Então vamos ver: o presidente acompanhava, por videoconferência, a posse do subprocurador-geral da República Carlos Alberto Vilhena no cargo de procurador federal dos Direitos do Cidadão para o biênio 2020-2022. Certo! Sabemos o apreço que Bolsonaro tem por esses assuntos. A reunião macabra do dia 22 de abril o evidenciou várias vezes, não?

O bolsonarismo, como é notório, defende direitos humanos só para "humanos direitos"... O presidente é capaz de dar murro na mesa quando alguém é detido por desrespeitar normas de distanciamento social, mas não solta um pio quando crianças negras são alvejadas por balas perdidas ou quando um adolescente, também negro, é assassinado pela PM, como aconteceu no Rio.

E aí, do nada, acredite quem quiser, disse Bolsonaro a Augusto Aras: "Se me permite a ousadia, se me convidar, vou agora aí apertar a mão desse nosso novo integrante desse colegiado maravilhoso da Procuradoria-Geral da República". Na reunião do dia 22 de abril, faz a confissão de que arma a população pensando na guerra civil; neste 25 de maio, um irrefreável desejo de abraçar o procurador dos Direitos do Cidadão.

Deve ser a primeira vez que Bolsonaro não pensou em direitos humanos com a mão no coldre. Pena que estivesse cometendo uma impropriedade, com a qual Aras concordou, com todos os salamaleques: "Estaremos esperando vossa excelência com a alegria de sempre". Segundo versão oficial, o procurador-geral achou que fosse brincadeira. Sei... O presidente respondeu: "Agora! Estou indo para aí agora". E foi. Encontrou-se com Aras e Vilhena.

Foi Aras quem pediu — nem havia como não fazê-lo — a abertura de inquérito para investigar eventuais condutas delituosas de Bolsonaro e de Sergio Moro envolvendo a substituição de quadros da Polícia Federal. O ex-juiz e ex-ministro acusa o presidente de fazer pressão para que operasse trocas imotivadas de quadros, como acabou acontecendo.

Aras também vai dar seu parecer sobre a apreensão do celular de Bolsonaro. Cumprindo sua obrigação, Celso de Mello recebeu uma petição e fez o de praxe: enviou-a à PGR. Foi o bastante para o general Augusto Heleno, chefe do GSI, soltar uma nota ameaçando o país com um golpe militar. No domingo, depois de participar de mais um ato promovido por golpistas, Bolsonaro falou a aliados às portas do Palácio da Alvorada. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, estava ao seu lado. Ameaça reforçada.

É evidente que se trata de uma pressão sobre o procurador — e ainda pior do que a feita sobre o STF. O presidente não tem como retirar ministros da Corte, mas pode não indicar Aras para um segundo mandato ou para uma vaga no Supremo, ambição evidente do doutor.

Na posse de Vilhena, Aras afirmou:
"República Federativa do Brasil, constituída em Estado Democrático de Direito e, com isso, todos os interesses sociais que nos cabe zelar. Como entes autônomos, com independência. Mas, acima de tudo, com harmonia para que a independência não se transforme no caos. Porque é a harmonia que mantém o tecido social forte, unido em torno dos valores supremos da nação".

É retórica pomposa em sintaxe frouxa. Uma coisa é certa: harmonia e independência entre os Poderes — e o Ministério Público não está pendurado em Poder nenhum — dispensam essas expedições do Executivo. Já era aberração o bastante Bolsonaro ter sobrevoado a sede dos Três Poderes neste domingo.

Mais: o bolsonarismo, sob a batuta do presidente e dos seus filhos — que mandam em suas redes sociais —, transformou Celso de Mello em saco de pancadas. E o presidente faz "visita surpresa" a Aras? O nome disso é intimidação.

Não menos intimidatória, note-se, foi uma nota divulgada por Bolsonaro na qual afirma: "Por questão de justiça, acredito no arquivamento natural do inquérito que motivou a divulgação do vídeo".

"Arquivamento natural" é uma categoria jurídica que costumava existir nas ditaduras. Nas democracias, só há arquivamento técnico, fundamentado nos fatos.

Bolsonaro defender o arquivamento, sendo ele próprio o investigado, no mesmo dia em que faz uma dita visita surpresa à PGR é do balacobaco! Afinal, cabe ao procurador-geral fazer ou não a denúncia. O conjunto revelaria uma burrice inédita, não fosse tal pressão uma articulação.

Bolsonaro é tosco, sim, mas é inteligente o bastante para ser um fatalista das ambições alheias. E ele sabe que Aras quer uma das duas vagas que se abrem proximamente no Supremo: Mello deixa o tribunal em novembro deste ano, e Marco Aurélio, em julho do ano que vem.

Por que não uma visita de 10 minutos antes de o procurador-geral tomar duas decisões que lhe dizem respeito diretamente? E, claro, no currículo de Aras já há aquela opinião favorável à divulgação de trecho mínimo da reunião. Foi mais restritivo do que a Advocacia Geral da União, que faz a defesa oficial de Bolsonaro. A peça é bastante vergonhosa no que respeita ao direito.

ENCERRO
Já afirmei aqui e reitero que não vejo razão para apreender o celular de Bolsonaro. Creio, ademais, que a reunião macabra não trouxe dado novo nenhum referendando a acusação de Sergio Moro. Coisas muito graves foram ditas lá. Crimes bem mais cabeludos vieram à luz.

Por Reinaldo Azevedo

Um comentário:

AHT disse...

É o típico toma cá, dá lá. Nenhuma denúncia pode acontecer no momento contra o Bolsonaro. Ele está nas mãos do Augusto. Aras bolas...