quarta-feira, 24 de maio de 2023

Embraer já gastou mais de R$ 806 milhões em negócio frustrado com a Boeing — e valor deve aumentar


Embraer já gastou mais de R$ 806 milhões em negócio frustrado com a Boeing — e continua gastando (Arte: Leo Albertino/InfoMoney)

A Embraer (EMBR3) já gastou mais de R$ 806 milhões com o negócio frustrado com a Boeing (BOEI34) — e continua gastando, apesar de o acordo ter naufragado há mais de 3 anos. A empresa brasileira cobra ressarcimento da americana pelo rompimento do acordo, mas alerta seus investidores que pode não só não receber o dinheiro, como inclusive ser obrigada a “pagar danos monetários significativos à Boeing”.

Para chegar ao valor, o InfoMoney analisou as demonstrações financeiras da Embraer dos últimos seis anos, além de documentos públicos depositados na CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e na SEC (Securities and Exchange Comission), pois a companhia não se pronuncia publicamente sobre o assunto.

Ela também passou a evitar usar o nome da Boeing em seus balanços, sobretudo a partir de 2022, o que fez a reportagem ter de procurar as informações de outras formas: pesquisando por “Yaborã” (nome que a divisão comercial da Embraer passou a ter após a separação do restante da empresa), “programa One Embraer” (nome do projeto para reintegrar o negócio) ou até pelo nome técnico “carve-out”.

A brasileira desembolsou milhões não só para segregar a sua divisão comercial (que seria transformada em uma joint venture com a Boeing), mas também para reincorporá-la, depois que o acordo fracassou (a empresa receberia US$ 4,2 bilhões por 80% da nova empresa e ficaria com os outros 20%, se o negócio tivesse sido concluído).


Procurada pela reportagem, a Embraer afirmou que não se manifesta sobre o acordo frustrado nem sobre o processo de arbitragem, que se arrasta desde 2020 (a companhia processa e ao mesmo tempo é processada pela Boeing, devido ao fim do negócio). Mas a empresa é obrigada a tratar do assunto em seus balanços e nos documentos públicos depositados na CVM e na SEC — ela, por exemplo, demitiu cerca de 900 empregados no Brasil (4,5% dos funcionários) no terceiro trimestre de 2020.

Nos documentos, a Embraer diz que a Boeing “rescindiu indevidamente o acordo que criaria parcerias nas áreas da aviação comercial e de defesa & segurança, gerando custos significativos para nossa empresa” (veja mais abaixo). Já a gigante americana diz que tinha direito a cancelar o acordo, porque a brasileira não cumpriu os termos do contrato.

“Rescindimos nosso acordo para formar uma parceria estratégica depois que a Embraer não cumpriu uma série de condições importantes do contrato. A Embraer contestou nosso direito de rescisão e estamos arbitrando essa disputa em um processo confidencial. Não diremos mais nada sobre isso enquanto prosseguimos com a arbitragem”, afirmou a Boeing à reportagem.

Boeing x Embraer

Em meio à disputa entre as duas empresas, o InfoMoney tem publicado uma série de reportagens mostrando diferentes aspectos dessa briga pública. Um deles, envolve uma guerra por talentos: a Boeing tem avançado sobre os profissionais da Embraer — e de outras companhias com sede no Brasil –, contratando “a elite da engenharia aeroespacial brasileira”, nas palavras de Roberto Gallo, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde).

O foco começou por engenheiros de nível sênior, que têm anos de experiência, chefiam importantes áreas de desenvolvimento de aeronaves, e possuem acesso a informações privilegiadas de projetos com segredos industriais, como os caças Gripen. Nos últimos meses, a gigante americana passou a contratar também profissionais de meio e começo de carreira no país.

Desde o ano passado, a Boeing já contratou mais de 200 pessoas no Brasil — e mais de metade eram funcionários e ex-funcionários da Embraer. Além disso, está com dezenas de vagas em aberto em São José dos Campos (cidade de mais de 700 mil habitantes a cerca de 90 km de São Paulo que é o berço da multinacional brasileira e do setor aeroespacial e de defesa do país).

Por causa das contratações em massa, a Boeing é alvo de uma Ação Civil Pública (ACP) na Justiça Federal, que tenta impor uma série de restrições à empresa, alegando que as contratações ameaçam a soberania nacional. A empresa americana diz que o movimento faz parte de uma estratégia global de crescimento, não local, mas admite que o país é um dos seus focos — assim como a Polônia, por exemplo.

A Embraer é a terceira maior fabricante de aeronaves comerciais do mundo, atrás apenas da Airbus e própria Boeing, e líder no segmento de aviões de até 150 passageiros. Mas a escala das empresas é incomparável: enquanto a Embraer tem cerca de 18 mil funcionários em todo o mundo, a Boeing tem mais de 150 mil, contratou mais de 26 mil apenas em 2022 e pretende contratar mais 10 mil neste ano.

O InfoMoney também revelou nas últimas semanas que a Embraer notificou extrajudicialmente a Boeing, na sede da empresa nos Estados Unidos, devido à contratação dos seus engenheiros no Brasil. A brasileira afirma no documento que a americana se aproveitou do acordo frustrado para acessar indevidamente suas informações confidenciais, para contratar engenheiros, e a acusa de “se apropriar indevidamente de seus segredos de negócios e outras informações confidenciais” — o que a Boeing nega.

R$ 806 milhões (e contando…)

Os números e informações sobre os gastos da Embraer com o acordo — e também o rompimento — constam em demonstrações financeiras da empresa e em documentos públicos depositados na CVM e na SEC. Para chegar aos R$ 806 milhões, a reportagem analisou os balanços dos últimos seis anos (desde que a negociação entre as empresas se tornou pública, no fim de 2017).

No balanço de 2019 (ano em que o acordo foi formalmente assinado), a Embraer afirma na página 45 que “os principais fatores de crescimento das despesas operacionais referem-se aos custos de separação relacionados à parceria estratégica entre a Embraer e a Boeing que totalizou R$ 485,5 milhões em 2019“.

Nas demonstrações financeiras de 2020, a empresa diz nas páginas 29 e 33 que “a Boeing rescindiu indevidamente o acordo”, o que gerou “custos significativos para nossa empresa”, e por isso “precisou se reestruturar para se adequar à nova realidade do mercado”.

Sobre os custos do acordo, a Embraer afirma na página 46 do documento que, “no primeiro semestre de 2020, ainda incorreram alguns custos de separação dos negócios da aviação comercial e dos serviços & suporte relacionados com a parceria estratégica, agora encerrada, com a The Boeing Company, que foram de R$ 215,7 milhões“.

No balanço de 2021, a empresa diz na página 38 que “apesar da consistente recuperação em andamento, os resultados econômico financeiros e operacionais da Embraer ainda foram negativamente afetados pelas iniciativas de reintegração da aviação comercial, que havia sido separada da Embraer para a parceria estratégica, agora encerrada, com a Boeing, ocorrida em 2020, e pelo impacto da pandemia da Covid-19 nos negócios da Empresa e também de nossos clientes e fornecedores”.

Na página 41, a brasileira contabiliza o prejuízo com a reunificação de seus negócios: “Durante o ano de 2021, incorreram alguns custos decorrentes do Programa One Embraer, que visa a reintegração do negócio de aviação comercial e seus serviços relacionados, em conexão com a parceria estratégica, agora encerrada, com a Boeing, que foram de R$ 105,6 milhões”.

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