terça-feira, 9 de maio de 2023

Áudio de coronel golpista se encaixa no quebra-cabeça que leva a Bolsonaro



Tomado isoladamente, o áudio em que a voz do coronel Elcio Franco soa em diálogos vadios sobre golpe com o ex-major Ailton Barros é gravíssimo. A gravidade é compreendida em sua plenitude quando a conversa é encaixada no quebra-cabeça golpista que compõe o enredo da tentativa malograda de Bolsonaro de virar a mesa da democracia brasileira após a derrota para Lula.

Sob Bolsonaro Elcio auxiliou dois generais precários. Foi o número 2 de Eduardo Pazuello na pasta da Saúde e compôs a assessoria de Braga Netto na Casa Civil. Ailton, o interlocutor, foi expurgado do Exército. Disputou uma cadeira no Legislativo na eleição passada pendurado em Bolsonaro, que o chama de "irmão". Os dois conversaram em dezembro de 2022, época em que Bolsonaro estava recluso no Alvorada.

Durante a conversa, mencionaram a hipótese de mobilizar 1,5 mil militares para executar um golpe. Queixaram-se da falta de adesão do comandante do Exército da época, general Freire Gomes. Chegaram mesmo a cultivar a alucinação de prender o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

Ligando-se os diálogos desqualificados com episódios que marcaram o isolamento de Bolsonaro após a derrota eleitoral, verifica-se que o ovo da serpente que destruiu as instalações dos três Poderes em 8 de janeiro foi chocado no Alvorada.

No final de novembro, após visitar Bolsonaro, o general Braga Netto, candidato a vice na chapa derrotada, parou o carro no cercadinho para conversar com um grupo de bolsonaristas. "Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora", declarou, enigmático.

Uma devota do capitão queixou-se das intempéries do acampamento montado por devotos do bolsonarismo defronte do Quartel-General do Exército. "A gente está na chuva, no sufoco". E Braga Netto: "Eu sei, senhora. Tem que dar um tempo, tá bom?".

Um dia depois, Valdemar Costa Netto, o dono do Partido Liberal, disse ter sido pressionado por Bolsonaro num encontro no Alvorada para ingressar com ação no TSE questionando cerca de 250 mil urnas antigas usadas nas eleições de 2022. Protocolada na semana seguinte, a ação foi rejeitada e rendeu uma multa de R$ 22,9 milhões ao PL.

Na live que levou ao ar na véspera de sua fuga para a Flórida, Bolsonaro lamentou não ter conseguido apoio para o golpe que evitaria a posse de Lula: "Eu busquei dentro das quatro linhas se tinha alguma alternativa para isso aí", disse ele. "Certas medidas têm que ter apoio do Parlamento, do Supremo, de outros órgãos e instituições", desconversou

Sobreveio o 8 de janeiro. Quando já estava evidente que Bolsonaro havia operado no bunker do Alvorada para prolongar os acampamentos golpistas e desacreditar a Justiça Eleitoral, a Polícia Federal apreendeu num armário da casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres a minuta que atribui um sentido à movimentação do capitão. Bolsonaro tramava o caos para estimular a crença segundo a qual o resultado da eleição presidencial poderia ser modificado por meio de uma intervenção federal no prédio do Tribunal Superior Eleitoral.

É nesse contexto que estão inseridos os diálogos vadios do coronel Elcio e do ex-major Ailton. Poucas vezes a Polícia Federal esteve diante de um roteiro de investigação tão bem esboçado. As evidências estão documentadas em vídeos, folhas e áudios. Faltam o indiciamento, a denúncia, o julgamento e a punição.

Assista reportagem da CNN Brasil e ouça o áudio:


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