O prejuízo jurídico está por ser contabilizado. Mas o estrago político já é enorme. As três falsas doses de vacina atribuídas a Bolsonaro —duas da Pifzer e uma da Jansen— deixaram abatidos até os bolsonaristas mais convictos do Congresso. Pressentindo o naufrágio, parte dos aliados hesita em continuar agarrado ao líder como se ele fosse um tronco. Foi como se o capitão, imunizado pela Polícia Federal com doses cavalares de nitroglicerina, tivesse virado um jacaré.
A pandemia da "gripezinha", suprema ironia, produziu o estrago mais superlativo no prontuário de Bolsonaro até o momento. A Polícia Federal virou o personagem do avesso ao adicionar à sua já extensa ficha criminal a suspeita de que ele fugiu para Orlando, a terra do Pateta, munido de um cartão de vacinação fraudulento.
A apreensão do celular de Bolsonaro e a prisão do seu ex-ajudante de ordens e faz-tudo, o coronel Mauro Cid, tornaram a investigação explosiva. O celular e o coronel são dois potenciais arquivos de segredos insondáveis de Bolsonaro. Afora a perspectiva de pescar dados úteis a outras investigações, as evidências de fraude sanitária são eloquentes.
Às vésperas do término do mandato, antes da fuga de Bolsonaro para os Estados Unidos, emitiram-se cartões fraudulentos para o então presidente e sua filha adolescente a partir de endereços eletrônicos do Planalto. O coronel Cid e um par de seguranças também se beneficiaram da fraude.
Chamado a depor, Bolsonaro se recusou a comparecer. Ele ensaia com os advogados o velho bordão do "eu não sabia". Farejando a estratégia, já esboçada pela vice-procuradora-geral da República Lindôra Araújo ao se posicionar contra a incursão policial na casa do mito, o ministro do Supremo Alexandre de Moraes anotou no seu despacho:
"Não se demonstra crível" a alegação de que o coronel Mauro Cid "teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a anuência" de Bolsonaro.
Ao autorizar batida policial de busca e apreensão na casa do capitão, Alexandre de Moraes sinalizou que a hipocrisia da falsa imunização deixa o seu antigo detrator mais próximo de uma sentença condenatória do que da virtude. O ex-presidente que atacava os "maricas" que se protegiam contra a covid buscou na fraude um refúgio para o seu negacionismo. Ficou nu.
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