quinta-feira, 11 de maio de 2023

Amigo de Bolsonaro deixa caso Mauro Cid; assume um especialista em delação


Anderson Torres e Mauro Cid, os dois fios desencampados de Jair Bolsonaro. Ex-presidente teme delação premiada da dupla Imagem: Marcos Corrêa/PR; Alan Santos/PR

O advogado Rodrigo Roca, próximo da família Bolsonaro, deixou a defesa do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, que teve a prisão preventiva decretada, no dia 3, pelo ministro Alexandre de Moraes no âmbito da investigação da inserção de dados falsos sobre vacinas em cadastro oficial do Ministério da Saúde. Em seu lugar, assume o caso o criminalista Bernardo Fenelon, que atua em delações premiadas e tem até um livro a respeito: "A Delação Premiada Unilateral".

Roca divulgou uma nota:

"Renuncio à defesa dos interesses do Cel. Mauro Cid nos inquéritos em que figura como investigado, por razões de foro profissional e impedimentos familiares da minha parte.
Rodrigo Roca"

É claro que a nota não esclarece nada. E é evidente que não se pode ignorar a experiência de Fenelon.

O que se sabe com certeza? As nuvens se adensam para o lado de Mauro Cid, e as investigações avançam para a hipótese de lavagem de dinheiro e eventual remessa ilegal de recursos para o exterior.

Também já veio a público a informação de que o pai de Mauro Cid está irritado com o que considera abandono do seu filho. Bem, mas quem o teria abandonado? É preciso lembrar que pai é esse: trata-se do general de Exército, hoje na reserva, Mauro Cesar Lourena Cid, que já foi comandante do Sudeste e serviu como chefe de gabinete de Eduardo Villas Bôas, quando comandante do Exército.

Pois é... As evidências contra o coronel são muito eloquentes. Pior para ele: também seus familiares estavam entre os beneficiários — ou que nome tenham — da fraude nos registros da vacina. Ocorre que Jair Bolsonaro também está no rolo. As investigações apontam que o ajudante de ordens era uma espécie de coordenador da falsificação em penca dos registros. Mas fazia tudo por conta própria?

Eis a irritação do seu pai: os bolsonaristas já deixaram vazar que esperam que Cid assuma a responsabilidade e ponto. O coronel está sendo monitorado de perto pelo entorno do ex-presidente. Porque se teme justamente uma delação premiada. Convém lembrar que o militar também é investigado pelo STF por vazamento de inquérito sigiloso sobre ataque hacker ao TSE e, recentemente, no caso das joias sauditas. Foi ele quem assinou um pedido, com urgência, de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para que o sargento Jairo Moreira da Silva se deslocasse para São Paulo, três dias antes do fim do mandato de Bolsonaro, para tentar resgatar ilegalmente as joias apreendidas pela Receita Federal no aeroporto de Guarulhos.

Vejam que coisa: o homem era considerado um militar exemplar, que se formou com méritos na Aman. Em 2018, estava prestes a viajar profissionalmente para os EUA. Em vez disso, assumiu a função de ajudante de ordens. E aí as coisas, para ele, entraram em desalinho. Obviamente não foi forçado a nada. Era um oficial graduado do Exército. Estava longe de ser um pau-mandado inexperiente. De toda sorte, jamais se subestima a capacidade que tem Bolsonaro de piorar os que convivem com ele.

ANDERSON TORRES
Roca já havia deixado a defesa de Anderson Torres no fim de março. O novo advogado constituído é Eumar Roberto Novacki, ex-chefe da Casa Civil de Ibaneis Rocha (MDB). Se o escolhido por Cid acena com uma eventual delação -- afinal, é um especialista no tema --, o de Torres aponta justamente para o contrário. Não tem experiência na área e é um advogado temporão. Fez carreira como homens de confiança de políticos, no serviço público. E é próximo dos círculos bolsonaristas.

Bolsonaro e sua turma avaliam constantemente o risco de Torres optar pela delação. Até porque consta que está muito abatido na cadeia.

O LIVRO
Assim o livro de Fenelon é apresentado:
"A presente obra busca abordar a Colaboração Premiada pela ótica defensiva, demonstrando que a monopolização do instrumento pela acusação, em certos casos pode, verdadeiramente, enfraquecer o instituto.
Dessa maneira, deve-se ponderar a necessidade do reconhecimento da viabilidade da concessão do prêmio também no modelo da colaboração unilateral, desde que respeitados os requisitos legais.
Afinal, a mera inexistência de negócio jurídico firmado entre as partes não pode atuar de modo a prejudicar o réu que efetivamente auxiliou na investigação garantindo um melhor funcionamento do poder punitivo estatal."

Não li. Mas me parece que o autor trata, no caso, de uma colaboração que se dá sem a celebração de um acordo, de modo que a buscar benefícios decorrentes da colaboração com a investigação.

Dispõe o Artigo 4º da lei 12.850, sobre a delação "não unilateral":
"Art. 4º O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados:
I - a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II - a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
(...)"

O que o advogado chama de "colaboração unilateral" pode dispensar "a identificação dos demais coatores e partícipes das organização criminosa e das infrações por eles praticadas"? Ou se pensa em algo como uma confissão que venha a pesar em favor do réu ao se fazer a dosimetria da pena, mas sem necessariamente apontar os coautores e partícipes?

Esse seria o sonho de Bolsonaro. Mas por que, sendo assim, Rodrigo Roca não continuou com o caso se buscam justamente um advogado versado em delação, "unilateral" ou não?

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