quarta-feira, 24 de maio de 2023

Congresso ameaça deformar ministérios de Lula



Consolidada a perspectiva de aprovação na Câmara da proposta sobre a nova regra fiscal do governo, o Congresso levou aos refletores um documento destinado a desautorizar a suposição de que Lula passou a dispor de uma base sólida de apoio legislativo. Relator da medida provisória editada no início do governo para reformular a Esplanada, o deputado Isnaldo Bulhões apresentou um texto que coloca de pernas para o ar ministérios estratégicos de Lula.

Combinada com o "imperador" Arthur Lira, a proposta de Bulhões traz as digitais da bancada ruralista. Esvazia pastas como as do Meio Ambiente, dos Povos Indígenas e do Desenvolvimento Agrário. Transfere atribuições desses ministérios preferencialmente para pastas chefiadas por titulares mais conservadores, próximos do centrão. Por exemplo: Agricultura, Cidades e Integração Regional.

Estima-se que a proposta de Bulhões será votada nesta quarta-feira. Se for mantido, o texto transforma o ministério de Marina Silva, por exemplo, numa estrutura capenga. A pasta do Meio Ambiente perde o Cadastro Ambiental Rural para a pasta da Gestão Pública, que não tem nada a ver com o tema. A gestão dos resíduos sólidos e da política de saneamento vai para o Ministério das Cidades. A estratégica Agência Nacional de Águas é transferida para a Integração Regional.

Significa dizer que Marina está na bica de perder instrumentos sem os quais ela terá dificuldades para deter o desmatamento, combater a grilagem, gerir as águas, os esgotos e os lixões. Há outras pauladas na proposta que Bulhões redigiu a muitas mãos.

Estalando de novo, o Ministério dos Povos Indígenas perde para a Justiça a prerrogativa de demarcar terras. Quer dizer: a ministra Sonia Guajajara, ela própria uma indígena, ficará sem chão. Paulo Pimenta, ministro do Desenvolvimento Agrário, deixará de apitar sobre política agrícola, comercialização, abastecimento, armazenagem e garantia de preços mínimos. Tudo volta para a pasta da Agricultura, cujo titular, Carlos Fávaro, toma distância do MST.

Mal comparando, é como se o Congresso informasse a Lula que seu governo pode ocupar os imóveis da Esplanada, mas não tem o direito de decidir onde ficarão os móveis e os utensílios. Ou, por outra, o Legislativo refaz a reforma promovida por Lula na estrutura do governo com o descompromisso de um arquiteto do tipo que, quando o projeto dá defeito, tranquiliza o cliente: "Não faz mal, depois você coloca umas plantas."

Isnaldo Bulhões esteve na Casa Civil da Presidência na semana passada. Avisou que não teria forças para deter a remodelagem da medida provisória de Lula. Os operadores do governo reagiram com inusitada resignação. Devem estar procurando umas samambaias para ornamentar o novo organograma.

Lula vai experimentando aos poucos os efeitos do paradoxo que emergiu das urnas de 2022: um presidente de esquerda com um Congresso majoritariamente de centro-direita. Para cada vitória que obtém no Legislativo, Lula leva meia dúzia de pauladas para lembrar que seu governo não será autorizado a fazer o que bem entende.

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