sábado, 13 de maio de 2023

Google, Telegram e inquérito aberto. Ou: Quando se tem Caveira como aliado



Bem, minhas caras, meus caros, muitos podem discordar da fundamentação que justificou a abertura de inquérito para apurar a conduta dos representantes legais do Google e do Telegram em razão da forma como decidiram fazer a campanha contra o PL 2630. Não gostar do embasamento técnico é uma coisa; outra, muito distinta e errada, é alegar que ele não está claro na decisão do ministro Alexandre de Moraes ou na petição a Procuradoria Geral da República. Está claríssimo.

A rigor, parece de tal sorte destrambelhada a iniciativa das duas empresas que chego a especular se não terá havido alguma dose de cálculo. Não me peçam para dizer qual porque não tenho a menor ideia. O futuro dirá se, nesse embate, elas sairão vencendo e, então, terão feito a escolha virtuosa para si mesmas ao menos — hipótese em que terão derrotado os Três Poderes da República, além do Ministério Público. Parece-me improvável.

A ABERTURA DO INQUÉRITO
O pedido de abertura da investigação foi encaminhado ao Supremo e distribuído por prevenção a Alexandre de Moraes -- já que é o relator do inquéritos das "fake News" (4781) e das milícias digitais (4874) -- pela Procuradoria Geral da República a partir de notícia-crime apresentada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira.

Moraes reproduz parte da manifestação do Ministério Público, que, por sua vez, sintetiza as razões apresentadas por Lira. Reproduzo um trecho:

"A Câmara dos Deputados, representada formalmente por seu Presidente Arthur Lira, encaminhou à Procuradoria-Geral da República notícia-crime, na qual consta que a Google Brasil e a Telegram Brasil têm realizado contundente e abusiva ação contra a aprovação do Projeto de Lei n. 2.630/2020.

Esclarece que os representados visam a resguardar seus interesses econômicos e 'têm lançado mão de toda sorte de artifícios em uma sórdida campanha de desinformação, manipulação e intimidação, aproveitando-se de sua posição hegemônica no mercado'.

Destaca que foi realizado um estudo pelo Laboratório de Estudos, de Internet e Mídia Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, por meio do qual concluíram que as 'plataformas estão usando todos os recursos possíveis para impedir a aprovação do PL 2630 porque o que está em jogo são os bilhões arrecadados com publicidade digital que atualmente não possuem nenhuma regra, restrição ou obrigação de transparência, deixando anunciantes e consumidores vulneráveis aos seus interesses econômicos.

O mencionado estudo sugere que a "Google vem se aproveitando de sua posição de liderança no mercado de buscas para propagar suas ideias e influenciar negativamente a percepção dos usuários sobre o projeto de lei em prol de seus interesses comerciais, o que pode configurar abuso de poder econômico.

Relata que, no dia 1º de maio de 2023, na sua página inicial de buscas, a Google Brasil disponibilizou um link com o seguinte texto: "o PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é verdade ou mentira no Brasil".

Informa que tal link remete a uma matéria assinada pelo Diretor de Relações Governamentais e Políticas Públicas da Google Brasil, Senhor Marcelo Lacerda, na qual ele teria:
(a) afirmado falsamente que o PL n. 2.630/2020 aumenta a desinformação e busca proteger quem a produz;
(b) conclama a necessidade de "melhorar o texto do projeto de lei", disponibilizando novo link que remete ao Portal da Câmara dos Deputados, com o intuito de pressionar os Parlamentares; e
(c) publicado uma segunda reportagem intitulada: "Saiba como o PL 2630 pode piorar a sua internet".

Aduz que a Telegram Brasil, por sua vez, no dia 9 de maio de 2023, publicou em sua conta no Twitter, bem como disparou mensagem em massa aos seus milhões de usuários, "atacando contundentemente o PL n. 2.630/2020, com informações falsas e distorcidas.

Tal como a Google Brasil, a Telegram Brasil fomenta seus usuários a pressionarem os congressistas, ao disponibilizar link (a palavra "aqui") que remete diretamente ao Portal da Câmara dos Deputados.
(...)
Menciona que o Ministério Público Federal, no bojo do Inquérito Civil Público n. 1.34.001.009969/2021-35, requereu à empresa Meta a lista de anúncios contratados pela Google alusivos ao PL n. 2.630/2020, com dados sobre custo e alcance, bem como instou a Google Brasil a:
a) Prestar informações detalhadas sobre ter privilegiado nas buscas links contrários ao projeto de lei, inclusive de sites conhecidos por propagar fake news, como revelaram o jornal Folha de S. Paulo e o laboratório NetLab, da UFRJ.
b) Informar quais anúncios contrários ao PL 2630 realizou, quanto investiu e quantos usuários conseguiu impactar com publicidade no Facebook e no Instagram, redes controladas pela Meta.
c) Especificar quais critérios usou para escolher os links com mais destaque exibidos para os usuários que buscaram por "PL 2630" no Google.
d) Especificar quais critérios usou para escolher os links com mais destaque exibidos para os usuários que buscaram por "PL 2630" no YouTube, informando também quais desses resultados foram impulsionados. e) Informar por que enviou um alerta contra o projeto de lei para todos os criadores de conteúdo do YouTube Studio, apresentando a documentação interna que levou à tomada de decisão."

RETOMO
É claro que se pode achar absolutamente normal o comportamento das duas empresas. Não é o meu ponto de vista. Que se destaque, no entanto, que não se está diante de uma sentença de condenação, mas da simples abertura de um inquérito.

A notícia-crime -- argumento acatado, para efeitos de investigação, pela PGR e com despacho de Moraes favorável à abertura do inquérito -- pede que apurem as seguintes condutas delitivas:
Lei 8.078
- Art. 67. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou abusiva:
Pena Detenção de três meses a um ano e multa.
- Art. 68. Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança:
Pena - Detenção de seis meses a dois anos e multa:

Lei 8.137
Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:
I - abusar do poder econômico, dominando o mercado ou eliminando, total ou parcialmente, a concorrência mediante qualquer forma de ajuste ou acordo de empresas;
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos e multa

Art. 7° Constitui crime contra as relações de consumo:
VII - induzir o consumidor ou usuário a erro, por via de indicação ou afirmação falsa ou enganosa sobre a natureza, qualidade do bem ou serviço, utilizando-se de qualquer meio, inclusive a veiculação ou divulgação publicitária;

Código Penal
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais: (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

PELA PRÓPRIA VOZ
Não posso crer que experientes dirigentes de gigantescas corporações e suas respectivas assessorias jurídicas imaginassem --e, se o fizeram, foi um erro grave -- que atuavam num deserto legal, sem baliza de nenhuma natureza.

Se o argumento mais forte que elas têm em favor da preservação do Artigo 19 do Marco Civil da Internet — o da inimputabilidade civil — está no fato de que apenas reúnem conteúdos de terceiros, no caso que agora gera o inquérito, convenham, deu-se coisa diferente: falaram pela própria voz. É evidente que têm direito a uma opinião. E se pode aqui especular sobre uma infinidade de meios de fazê-lo. Menos usar a sua presença avassaladora para impedir o livre exercício de um Poder da República.

A propósito: já não tinham uma presença muito ativa no debate? Já não contavam com milhares de "influencers", muitos deles espalhados nas mídias tradicionais, a defender seu ponto de vista? Mas, parece, chegaram à concussão de que era necessário mobilizar as massas contra o PL 2630. E os procedimentos, convenham, foram bem além do razoável. E sem que o contraditório tivesse a mesma chance.

CONCLUO
As gigantes têm hoje a inimputabilidade civil, que vão perder. Parece que se andou delirando por lá também com a penal. Um mau passo. Pior: conquistaram fanáticos da extrema-direita como aliados, que não têm nenhum apreço pela democracia e pelo estado de direito. Essa gente barulhenta e estúpida praticamente berra ao Supremo, ainda que pelo avesso, o que tem de ser feito. Erro de tese. Erro de companhia. Erro de avaliação da realidade.

A propósito: notórios adversários do PL 2630 se reuniram num salão da Câmara na quinta. Atacaram o texto, as urnas eletrônicas, pediram cadeia para Lula, fizeram arminha com a mão... Um deles, o deputado Delegado Caveira (P-PA), mandou ver:
"Devemos imediatamente fazer uma chamada nacional e convocarmos o verdadeiro Supremo para as ruas, que é o povo. Não podemos negociar as nossas liberdades. Conto com todo o povo patriota, todo o povo brasileiro para juntos empunharmos as nossas espadas e irmos para as ruas".

Acho que a investigação vai chegar à conclusão de que o Google ao menos — sobre o Telegram, sabe-se lá — não tentou abolir o Estado de direito. Mas é preciso certo senso de realidade quando se tem como aliado o Deputado Delegado Caveira.

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