domingo, 14 de maio de 2023

Michelle, Cid, a grana, a tia, a Rosimary... O que o ChatGPT não imaginaria


Jair Bolsonaro e Mauro Cid, o seu faz-tudo. No destaque, Michelle. Eram dias de sorrisos entusiasmados e sem fim, enquanto o dito "Mito" arreganhava os dentes para as instituições. E quem cuidava das contas? Imagem: Sérgio Lima/AFP; Alan Santos/PR

Leiam a reportagem do UOL que traz as informações sobre, como posso chamar?, os "folguedos" — fica fofo assim? — que unem uma empresa que vendia máquinas para a Codevasf, embora essa não fosse sua área de atuação; a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (e, pois, seu marido, um certo Jair); o enrolado e investigado coronel Mauro Cid, então ajudante de ordens daquele a quem chamam "Mito"; três subordinados de Cid; uma tia de Michelle; duas assessoras suas quando no primeiro-damismo, e uma tal que mantinha em seu próprio nome um cartão de crédito, mas que era usado pela agora presidente do PL Mulher.

Se você jogar tudo isso no ChatGPT e pedir para que ele crie um roteiro, duvido que a Inteligência Artificial seja páreo para, bem..., o "bolsonarismo natural".

Abaixo, reproduzirei apenas fatos, extraídos da investigação, sem juízo de valor. Acompanhem:

1 - A empresa Cedro do Líbano Comércio de Madeiras e Materiais para Construção, com sede em Goiânia e contratos com o governo federal, é a origem de depósitos de pelo menos R$ 25.360 na conta bancária do segundo-sargento Luis Marcos dos Reis;

2 - o principal contrato da Cedro do Líbano é com a Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e Parnaíba), estatal que já foi alvo de operações da PF mirando corrupção em contratos no Nordeste no ano passado;

3 - o dinheiro na conta de Luis Marcos era depositado por Vanderlei Cardoso de Barros, pai de uma sócia da Cedro do Líbano;

4 - depois que o dinheiro caía na sua conta, Luís Marcos sacava as notas em um caixa eletrônico;

5 - três depósitos de Luis Marcos foram parar na conta de Rosimary Cardoso Cordeiro, uma amiga de Michelle Bolsonaro, contratada como assistente parlamentar no gabinete do senador Roberto Rocha (PTB-MA);

6 - Rosimary emitiu um cartão de crédito usado por Michelle e vinha recebendo, pelo menos até junho de 2021, depósitos em espécie — alguns deles fracionados, segundo a investigação — de integrantes da Ajudância de Ordens da Presidência da República;

7 - até o atual ponto da investigação, descobriu-se que, em três ocasiões, Luis Marcos pagou em dinheiro vivo despesas feitas no cartão de Rosimary, que era usado por Michelle;

8 - Luis Marcos fez ao menos 12 depósitos em dinheiro na conta de uma tia de Michelle, chamada Maria Helena Graces de Moraes Braga;

9 - o também segundo-sargento José Geromini Zilotti, subordinado de Mauro Cid, fez vários depósitos nas respectivas contas de Rosimary e da tia de Michelle;

10 - outro segundo-sargento, Luiz Antônio Gonçalves de Oliveira, fez depósito na conta de Maria Helena, a tia.

11 - investigação da PF aponta que quem decidia o destino dos depósitos feitos pelos membros da Ajudância de Ordens eram Giselle dos Santos Carneiro da Silva e Cintia Borba Nogueira Cortes, assessoras de Michelle.

É isso. Indague ao ChatGPT.

DIÁLOGOS
A reportagem do UOL revela alguns diálogos eloquentes. Em 25 de novembro de 2020, após ouvir o relato de Giselle da Silva, uma das assessoras de Michelle, sobre o cartão em nome de Rosimary, mas usado, de fato, pela então primeira-dama, Mauro Cid se preocupa e alerta que se poderia até confundir a operação com "rachadinha". Leiam o que ele disse:
"Giselle, mas ainda não é o ideal isso, não, tá? Cordeiro conversou com ela, tá?, também. E ela ficou com a pulga atrás da orelha mesmo: tá, é? É. É a mesma coisa do Flávio. O problema não é quando! É como deputado, rachadinha, essas coisas."

A ver o que significa. Mas parece, quem sabe?, que ele está a sugerir que o mecanismo adotado para cuidar dos gastos da então primeira-dama não eram seguros o suficiente.

E Mauro Cid segue com Giselle:
"Se ela [Michelle] perguntar pra você ou falar alguma coisa ou comentar, é importante ressaltar com ela que é o comprovante que ela tem. É um comprovante de depósito, é comprovante de pagamento. Não é um comprovante dela pagando nem do presidente pagando. Entendeu? É um comprovante que alguém tá pagando. Tanto que a gente saca o dinheiro e dá pra ela pagar ou sei lá quem paga ali. Então não tem como comprovar que esse dinheiro efetivamente sai da conta do presidente. O Ministério Público, quando pegar isso aí, vai fazer a mesma coisa que fez com o Flávio, vai dizer que tem uma assessora de um senador aliado do presidente, que está dando rachadinha, tá dando a parte do dinheiro para Michelle"

O que se extrai dessa conversa? Estuda-se um modo de arrumar uma "narrativa" ( palavra que a extrema-direita adora, sobretudo para empregá-la de maneira porca) convincente para os gastos de Michelle.

Observem: a PF sugere que o "ela" do trecho acima é Michelle. Não tenho tanta certeza. Talvez seja Rosimary Cardoso Cordeiro, a dona oficial do cartão de crédito de Michelle. Vejam a sequência dos fatos objetivos. Faria mais sentido. E nada muda na, digamos, heterodoxia de relações tão especiosas.

CURIOSIDADES
A - Em 1º de junho de 2022, a Cedro do Líbano recebeu R$ 188 mil pela venda de quatro plantadeiras e adubadeiras mecanizadas para a Codevasf. A empresa, de venda de madeira e material de construção, não tem, entre suas atividades declaradas à Receita Federal, o comércio de equipamentos agrícolas. Também não há máquinas à venda no site da companhia.

B - O pagamento foi liberado — mas não efetuado — no dia 18 de abril de 2022. Em 27 de maio, o pai da proprietária da Cedro do Líbano depositou R$ 15 mil para o sargento Luis Marcos — que, minutos depois, fez o saque em dinheiro vivo de R$ 12.700. Em 1º de junho, a empresa recebeu efetivamente o pagamento de R$ 188 mil da Codevasf.

OUTRO LADO
Embora não haja uma só acusação neste texto -- NENHUMA! --, que se repita o "outro lado", que também está na reportagem do UOL:
"A dona Michelle não conhece esse ajudante de ordens e desconhece que ele tenha feito pagamentos para ela. Contas pequenas, fornecedores informais, necessidades privadas e pequenas compras, o Cid pegava o cartão da conta privada do presidente, sacava e fazia os pagamentos. Ele fazia isso para resguardar a privacidade do tomador de serviço e não expor a intimidade da dona Michelle e filhos. A dona Michelle rechaça qualquer pagamento e qualquer relação dele. A tia da dona Michelle cuidava da Laura e ela repassava pagamentos por conta de ser a babá da Laura".
Fábio Wajngarten, ex-secretário de Comunicação do governo Bolsonaro e hoje assessor de imprensa do ex-presidente.

"That's all folks!" Ou quase.

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