segunda-feira, 1 de maio de 2023

Não há muito a festejar no Dia do Trabalhador



Convém economizar nos fogos de artifício. Não há muito a celebrar neste 1º de Maio. Lula foi ao ar em rede nacional de rádio e TV para anunciar mimos aos trabalhadores. O salário mínimo subiu de inexpressivos R$ 1.302 para irrisórios R$ 1.320. Com isso, a menor remuneração paga aos trabalhadores que ainda dispõem de trabalho no Brasil será mais de 30 vezes inferior à maior remuneração recebida pelas principais autoridades da República. Desde 1º de abril, graças a um reajuste aprovado pelo Congresso no apagar das luzes de 2022, o próprio Lula, os parlamentares e os ministros do Supremo Tribunal Federal passaram a embolsar contracheques de R$ 41.650,92.

Afora a disparidade pecuniária, uma outra diferença distancia os brasileiros do mínimo da turma do máximo. Os frequentadores do topo da pirâmide remuneratória do Estado nem sempre oferecem o suor como contrapartida dos contracheques polpudos. Deputados e senadores, por exemplo, empossados em fevereiro, ainda não aprovaram um mísero projeto relevante. Retribuem com ineficiência o dinheiro arrancado do bolso do contribuinte que molha a camisa para encher a geladeira daqueles que deveriam zelar pelo interesse público.

Num instante em que preenche a declaração de Imposto de Renda, o brasileiro percebe que é vítima de uma trapaça linguística. A língua portuguesa é rica. Possui mais de 100 mil palavras. Com um idioma assim tão farto, não se compreende por que diabos alguém um dia resolveu que o apelido do cidadão que financia o Estado deveria ser "contribuinte".

O termo parece impróprio. Contribuir é o mesmo que cooperar, colaborar. Pressupõe certa espontaneidade e até alguma cumplicidade. E o dinheiro do trabalhador, como se sabe, não troca o conforto do bolso do dono pelo desassossego dos cofres públicos senão por obrigação. Nesse contexto, é desanimadora a percepção de que os hipotéticos representantes da sociedade desfrutam do melhor dos ócios: o ócio remunerado. Pelo "contribuinte".

O Brasil é um país por fazer. Mas não há quem se disponha a fazê-lo com a urgência necessária. Os parlamentares escoram sua inação na alegada inoperância de Lula. Alega-se que o presidente travou suas prometidas reformas. Só no final de março enviou ao Congresso a proposta sobre a nova regra fiscal. Ainda não levou à vitrine a reforma tributária.

O Brasil é viciado em mudança. Em nenhum lugar faz-se tanta e tão frenética promoção das mudanças como aqui. E, no entanto, muda-se pouco. Muito pouco. Quase nada. Ainda se diz que o Brasil é o país do futuro. Mas esse Éden intocado está sempre na dependência de uma reforma. Qualquer reforma.

"Antes de repartir o bolo, é preciso esperar que ele cresça." Quem não se lembra? Vivíamos sob os efeitos do milagre econômico da ditadura. E o futuro já estava enganchado numa condicionalidade. Sobreveio a fase em que nada seria feito, nenhum problema seria enfrentado antes da reconquista das eleições diretas. Vieram as diretas. E com elas uma nova onda mudancista.

A Constituinte tornou-se nossa prioridade feroz. Construiu-se sobre o papel uma Canaã. Ulysses Guimarães batizou-a de "Cidadã". Eram páginas encharcadas de leite e mel. Saliva escorrendo pelo queixo, o trabalhador brasileiro preparava-se para sorver o néctar, que jorrava de tão generosa Constituição, quando foi colhido por novas prioridades.

Ora a inflação, ora um plebiscito, ora a inflação novamente, ora um emendão, ora o impeachment, ora uma PEC, ora outro impeachment, ora isso, ora aquilo... O Plano Real e FHC renovaram ilusões, logo soterradas por outras reformas inadiáveis. A Constituição, antes redentora, virou um satã a ser exorcizado. Reforma-se a Carta Magna com uma volúpia que não orna com os resultados.

Lula fez e aconteceu nos dois primeiros mandatos. Dilma, a criatura, desfez o que o seu criador fizera. Temer sujou o mandato tampão comprando no Congresso o sepultamento de denúncias. Bolsonaro barbarizou com o orçamento secreto, enfiando na Constituição uma versão inconstitucional dos mensalões e dos petrolões. Assim é que a cada dois passos à frente recuamos três ou quatro. E o trabalhador espera, espera, espera por um futuro que nunca chega.

Na década de 20 do século retrasado, o Brasil cruzava uma fase crucial de sua história. Ardia em seus subterrâneos o debate sobre a escravidão. Em meio a uma atmosfera de receios e medos, marchava-se para a abolição. Em texto remetido ao Legislativo do Império, em 1825, o abolicionista José Bonifácio de Andrada e Silva anotou: "Ainda hoje, perto de 40 mil criaturas humanas são anualmente arrancadas de África (...), transportadas às nossas regiões (...), destinadas a trabalhar toda a vida debaixo do açoite cruel de seus senhores, elas, seus filhos e os filhos de seus filhos, para todo o sempre!''

Em matéria de relações trabalhistas, avançamos muito desde José Bonifácio. Mas algo ainda aproxima o Brasil de 2013 daquela sociedade primitiva, recém-liberta da condição colonial. Há entre nós um novo tipo de escravo: o escravo da miséria. Pessoas que, submetidas a padrões de vida degradantes, são exploradas em atividades análogas à escravidão.

Retorne-se, por oportuno, ao texto de José Bonifácio: "E qual de vós quererá ser tão obstinado e ignorante que não sinta que o cativeiro perpétuo é não somente contrário à religião e à sã política, mas também contrário aos vossos futuros interesses e à vossa segurança e tranquilidade pessoal?''

Agora, em pleno século 21, o futuro continua roçando o nariz da nação. O brasileiro é convidado a apalpar o futuro com o faro. E o cheiro desse Brasil próximo não parece muito diferente do aroma que exalava de brasis mais remotos. Por mal dos pecados, o país parece condenado ostentar a condição de paraíso dos contrastes.

Em 1989, todas as certezas ruíram do dia para a noite. E permanecem soterradas até hoje sob os escombros do Muro de Berlim. Chegou-se mesmo a decretar o fim da história. Hoje, é sabido que ela estava apenas começando. Ou recomeçando. Imaginou-se, de início, que a vitória do capitalismo estivesse consolidada. Tolice. O que parecia um apodrecimento das ideologias tradicionais era apenas um convite para que o mundo buscasse um meio-termo entre o coletivismo utópico e a submissão desmedida a um mercado inclemente com o ser humano pobre.

Nelson Rodrigues atribuiu a Otto Lara Resende um comentário cáustico. Instado a dar uma opinião sobre os escombros da União Soviética, Otto teria sapecado: "A Rússia é o Piauí com rampa de mísseis". Difícil saber se Otto disse mesmo a frase, tão cruel com o Piauí. Entretanto, se fosse vivo, o velho cronista talvez atualizasse a analogia. Hoje, Nelson Rodrigues diria que o Brasil também é um país com duas realidades —uma espécie de Piauí hipertrofiado que, embora não tenha alcançado a paz social, tem a pretensão de mediar um cessar-fogo capaz de interromper o lançamento de mísseis russos sobre a Ucrânia.

Com sua micromegalomania, o Brasil derrubou dois presidentes, mas não conseguiu livrar-se de suas distorções sociais e institucionais. Derrubou a inflação, mas não distribuiu a renda. Deveria ter despachado um terceiro presidente. Mas Arthur Lira, bem pago, manteve na gaveta mais de 140 pedidos de impeachment recheados de evidências dos crimes do capitão.

O Brasil muda, muda, mas não sai do abismo. Não consegue livrar-se de velhos rótulos. Ainda é o "país da impunidade", o "país das desigualdades sociais". As eternas reformas eternizam o futuro que nunca chega. Mas o reajuste dos contracheques da cúpula da República está assegurado.

De acordo com o projeto aprovado pelo Congresso às vésperas do Natal de 2022 e sancionado por Lula em 11 de janeiro, o presidente, os parlamentares e as togas supremas receberão reajustes anuais escalonados. Até atingir, em fevereiro de 2025, a cifra de R$ R$ 46.366,19. Fora as vantagens indiretas —as lícitas e as ilícitas. Melhor adiar os rojões.

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