quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

Acabou a mamata sob Bolsonaro? Episódios em série mostram que não



Casos de favorecimento envolvem filhos, ministros e até médico do presidente da República

Eleito com discurso que repudiava benesses a aliados, o presidente Jair Bolsonaro (PL) assistiu, ao longo de seu mandato e especialmente neste ano, a diversos casos em seu entorno que contrariam o pregado na campanha de 2018. A começar por seus filhos.

No fim de outubro, por exemplo, o comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, atendeu a pedido de Bolsonaro e autorizou que a filha do presidente, Laura Bolsonaro, 11, fosse matriculada no Colégio Militar de Brasília sem passar pelo processo seletivo.

Já no fim de novembro, a pedido da defesa de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu manter o foro especial concedido ao senador pelo TJ do Rio de Janeiro. Antes de eleito, Bolsonaro sempre teve como uma de suas bandeiras o fim da blindagem a políticos em tribunais superiores.

Relembre, abaixo, esses e outros casos:

Matrícula de Laura em colégio militar

O pedido de Bolsonaro ao Exército por tratamento especial à filha, Laura, 11, foi revelado pela Folha em reportagem publicada em 25 de agosto.

A matrícula em caráter excepcional no Colégio Militar de Brasília, sem necessidade de processo seletivo, baseia-se no regulamento dos colégios militares, o R-69, segundo a Força. Laura ingressará na unidade no ano letivo de 2022.

"A menor é dependente legal do presidente da República, comandante supremo das Forças Armadas, nos termos do inciso XIII do artigo 84 da Constituição Federal. O regulamento mencionado faculta ao comandante do Exército apreciar casos considerados especiais, ouvido o Decex, conforme justificativa apresentada pelo eventual interessado", afirmou nota do Exército.

Há restrição de acesso ao processo aberto a partir do pedido de Bolsonaro, conforme a Lei de Acesso à Informação e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, segundo a Força.

O ingresso em colégios militares do Exército se dá por meio de processo seletivo a que são submetidos meninos e meninas que disputam as vagas abertas nas unidades de ensino.

Em uma segunda reportagem sobre o tema, a Folha mostrou que o Exército tratou Bolsonaro como capitão da reserva, e não como capitão reformado, para permitir a matrícula excepcional da filha do presidente no colégio.

Um militar da reserva pode, em tese, ser chamado para missões nas Forças Armadas. A reforma, por sua vez, significa uma aposentadoria, e ocorre por fatores como idade ou invalidez.

As fichas de remuneração dos militares, disponíveis no portal da transparência do governo federal, fazem uma distinção clara entre quem está na ativa, na reserva ou foi reformado.

Bolsonaro é um capitão reformado, como consta em sua ficha de remuneração. Boletins internos do Exército também tratam o presidente como capitão reformado.

Foro especial de Flávio

O presidente Jair Bolsonaro sempre teve como uma de suas bandeiras o fim da blindagem a políticos em tribunais superiores. No caso de Flávio e das "rachadinhas", porém, a família teve comportamento diferente.

Em um vídeo divulgado em redes sociais, Bolsonaro reclamou em 2017, ao lado de Flávio, da existência do foro especial para políticos. "Não quero essa porcaria de foro privilegiado." O post foi lançado em abril daquele ano pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) em sua conta no Twitter.

"Dos 513 deputados, 450 vão ser reeleitos. Por que eles têm de ser reeleitos? Para continuar com foro privilegiado. O único prejudicado com essa porcaria de foro privilegiado sou eu", protestou Bolsonaro no vídeo.

Já em 2021, a pedido da defesa de Flávio, a Segunda Turma do STF avalizou, por 3 votos a 1, a decisão de junho do ano passado de retirar a investigação contra o filho de Bolsonaro no caso das "rachadinhas" das mãos do juiz de primeira instância Flávio Itabaiana, que vinha dando decisões duras contra o parlamentar.

O magistrado, definitivamente afastado do processo, foi o responsável por ordens de quebra de sigilo e pela prisão de Fabrício Queiroz, amigo do presidente Bolsonaro acusado de ser o operador do esquema no gabinete de Flávio quando ele era deputado estadual.

Pelo mesmo placar, o colegiado também atendeu a um pedido da defesa para anular quatro relatórios de inteligência financeira elaborados pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) que apontavam movimentações atípicas em contas bancárias de Flávio e seus funcionários.

Esses documentos eram considerados fundamentais por investigadores do caso, assim como dados levantados em quebras de sigilo que foram anuladas pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça).

Dessa forma, somadas as decisões do STJ e do Supremo, as investigações contra o filho do presidente praticamente terão de ser retomadas do início.

Festa de Renan Bolsonaro

A cobertura com fotos e vídeos da festa de inauguração de uma empresa de Jair Renan Bolsonaro, 22, o filho 04 do presidente, foi realizada gratuitamente por uma produtora de conteúdo digital e comunicação corporativa que presta serviços ao governo federal.

Em 2020, a empresa recebeu R$ 1,4 milhão do governo Bolsonaro.

Renan Bolsonaro, filho do presidente, e seu ex-personal trainer e subsecretário de Programas e Incentivos Econômicos do Distrito Federal, Allan de Lucena ​- Reprodução/Instagram camarote_311

A cerimônia de inauguração foi realizada em outubro do ano passado, no camarote 311 do estádio Mané Garrincha, em Brasília, onde fica a sede da empresa Bolsonaro Jr Eventos e Mídia.

O proprietário da Astronautas, Frederico Borges de Paiva, compareceu ao evento e aparece nas imagens, abraçando e brincando com o filho do presidente.

Os trabalhos da empresa para o governo federal incluem três peças produzidas para o Ministério da Saúde, a um custo de R$ 642 mil, segundo informou a pasta à Folha —dois vídeos com o tema da Covid-19 e um sobre multivacinação.

Gastos em viagens de férias e com motociatas

O governo federal informou que foram gastos R$ 2,3 milhões de recursos públicos nas viagens de férias do presidente Bolsonaro nas praias de São Francisco do Sul (SC) e Guarujá (SP) entre os dias 18 de dezembro de 2020 e 5 de janeiro deste ano, período de agravamento da pandemia.

A informação foi enviada pelo general Augusto Heleno, ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional da Presidência), e pelo ministro Onyx Lorenzoni, então na Secretaria-Geral da Presidência, em resposta ao pedido de informação formulado pelo deputado federal Elias Vaz (PSB-GO).

O GSI respondeu que foram gastos US$ 185 mil, cerca de R$ 1 milhão, com transporte aéreo em aeronaves da FAB para eventos privados do presidente neste período.

Além disso, foram calculadas despesas de R$ 202 mil com passagens aéreas e diárias de integrantes da Secretaria de Segurança e Coordenação Presidencial. Já a Secretaria-Geral da Presidência informou que foram gastos R$ 1,1 milhão em cartão corporativo de despesas decorrentes das viagens. ​

Além disso, as motociatas em apoio ao presidente Bolsonaro já custaram praticamente R$ 5 milhões aos cofres públicos, segundo levantamento realizado pela Folha a partir de mais de 50 pedidos via Lei de Acesso à Informação.

A soma leva em conta as despesas com o cartão de pagamento do governo federal, informadas pela Secretaria-Geral da Presidência, e os gastos assumidos pelos estados para garantir a segurança da população e da comitiva de Bolsonaro.

Voos da FAB

Ministros do governo Bolsonaro levaram de parentes a pastor e lobistas em voos oficiais com aeronaves da FAB (Força Aérea Brasileira).

Os dados sobre as viagens feitas desde janeiro de 2019 foram repassados à Folha via Lei de Acesso à Informação por ministérios e outros órgãos que têm direito a solicitar esse tipo de deslocamento.

Jair Renan pegou ao menos cinco caronas em deslocamentos solicitados por diferentes ministros.

Poucos dias antes de assumir o Palácio do Planalto, o presidente Bolsonaro distribuiu uma cartilha com normas e procedimentos éticos. O documento afirmava que somente o ministro e a equipe que o acompanha no compromisso podem utilizar as aeronaves.

Bolsonaro também mudou o decreto sobre uso das aeronaves oficiais no começo de 2020 para, em tese, endurecer as regras.

O ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) levou ao Rio de Janeiro, em agosto, o seu advogado Marcos Meira. No mesmo voo estava Davidson Tolentino, então diretor da Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba). Os três foram mencionados em investigação da Lava Jato.

Dados enviados à reportagem mostram ainda que o pastor Arilton Moura, da Igreja Cristo para Todos, participou de viagem do ministro da Educação, Milton Ribeiro, de Brasília a Alcântara (MA), em maio de 2021.

Mãe de ministro abastece avião com verba do Senado

A senadora Eliane Nogueira (PP-PI) destinou R$ 46,9 mil de sua cota parlamentar para gastos com combustível de avião, segundo dados do Portal da Transparência do Senado. No entanto ela não possui aeronaves particulares, segundo informou ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) durante as eleições de 2018.

Eliane Nogueira é suplente de seu filho, o ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, que, por sua vez, declarou ser detentor de 95% de uma aeronave Beech Aircraft B200, avaliada em R$ 2,8 milhões. Ele está licenciado do Senado.

Entre julho e outubro deste ano (último dado disponível), a senadora apresentou notas fiscais e obteve o ressarcimento para oito despesas com combustíveis de aeronaves. Os gastos foram efetuados em cidades como Sorocaba (SP), São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e Teresina.

Os registros de tais despesas de Eliane Nogueira apontam um mesmo padrão de notas fiscais que foram apresentadas pelo então senador Ciro Nogueira.

Entre janeiro e julho deste ano, mês em que se licenciou e assumiu o cargo no governo Bolsonaro, o atual chefe da Casa Civil gastou R$ 262,1 mil de sua cota parlamentar com combustível para avião.

Vaga para médico em Miami

Bolsonaro pediu que a Apex abrisse uma vaga para acomodar seu médico no escritório da agência de promoção comercial brasileira em Miami (EUA).

Ricardo Camarinha, que trabalha na Presidência e atende diretamente a Bolsonaro como seu assessor especial, pretende mudar para os Estados Unidos por motivos familiares. Só que, sem um trabalho, a obtenção de um visto de residência seria mais difícil. O caso foi revelado pela Folha no início de novembro.

Assim, Bolsonaro acionou o chefe da unidade da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos em Miami, o general da reserva Mauro César Lourena Cid. Ele é um de seus mais próximos colegas da turma de 1977 da Academia das Agulhas Negras.

O general Cid está em Miami desde meados de 2019. No dia 13 de agosto passado, ele informou sua equipe acerca da possibilidade de ter de abrigar Camarinha no time.

Apesar de resistências, em 22 de setembro a ordem para a criação de um cargo foi reforçada como definitiva, dado que se tratava de um pedido pessoal do presidente. Houve espanto entre servidores nos EUA e em Brasília.

Extradição de blogueiro bolsonarista

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) ofereceu ajuda ao blogueiro Allan dos Santos, investigado pelo STF, para deixar o país. É o que mostram mensagens interceptadas pela Polícia Federal, compartilhadas com a CPI da Covid e obtidas pela Folha.

Nos diálogos, ocorridos em junho de 2020, o filho do presidente pede dados do passaporte de Allan e de sua família e pergunta o que ele precisa. Após a resposta, ele acompanha o trâmite do processo, pedindo a Allan o número do protocolo na PF e data de agendamento.

O dono do site Terça Livre deixou o país em julho de 2020, cerca de um mês após os diálogos com o filho de Bolsonaro. O blogueiro, que é investigado em dois inquéritos no STF, para apurar disseminação de fake news e para identificar quem financia as ações, atualmente vive nos Estados Unidos.

Em outubro deste ano, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou sua prisão, pediu sua extradição e a inclusão de seu nome na difusão vermelha da Interpol, o canal de foragidos —o que até meados de dezembro não havia ocorrido, como mostrou a Folha.
Saída de Olavo de Carvalho do país

A saída à francesa do Brasil de Olavo de Carvalho após ser intimado pela Polícia Federal, em novembro deste ano, envolveu compra de passagens para Miami (EUA) em dinheiro, viagem de carro até o Paraguai e cruzamento da fronteira sem passar pela imigração.

Como mostrou o Painel, da Folha, o guru do bolsonarismo saiu do país depois de a PF o chamar para depor e alegou problemas de saúde para não comparecer à oitiva.

Já nos EUA, gravou um vídeo em que negou ter saído para se esconder do depoimento e disse que lhe ofereceram passagens de última hora. As informações são do inquérito sobre a existência de milícias digitais, no qual Olavo foi intimado.

Ele foi intimado no dia 9 de novembro. Um dia depois, a esposa do escritor comprou duas passagens para Miami com saída de Assunção, no Paraguai, previstas para o dia seguinte.

Na Folha

Um comentário:

AHT disse...

O CORNO

O eleitor acreditou em suas promessas, porém

Candidato e agitador em tempo integral,
O presidente eleito e empossado, não preside:
Reincide em negacionismos, motiva ilicitudes e
Não admite que jogou o país em grave crise.
O eleitor? Na sofrência. O infiel? No colo do Centrão.


AHT
29/12/2021