Informações estão em relatório sigiloso feito pela Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logística e obtido pela Folha
O TCU (Tribunal de Contas da União) detectou "alto risco de irregularidades" em contratações feitas pelas Forças Armadas de empresas ligadas a militares e que totalizam R$ 87 milhões.
Os auditores mapearam contratos de 2017 a 2020 com um grupo de sete empresas avaliadas como de alto risco e de maior materialidade no fornecimento de alimentos no âmbito do Ministério da Defesa.
As informações estão em relatório sigiloso do tribunal, feito pela Secretaria de Controle Externo de Aquisições Logística e obtido pela Folha, para investigar atos praticados por órgãos públicos na aquisição de gêneros alimentícios.
Foram identificados grupos econômicos com indícios de atuação coordenada entre as empresas integrantes em licitações, com ou sem a participação de servidores, para direcionamento do certame ou contratação direta indevida.
Entre os principais sinais de alerta foram identificados que algumas possuem sócios ou ex-sócios que foram militares e que o endereço das sete empresas é praticamente o mesmo, no Mercado Municipal do Rio de Janeiro (Cadeg), só alterando o número do pavimento ou da loja.
Além disso, algumas utilizam o mesmo email de outra empresa do grupo, têm sócios ou ex-sócios em comum, apresentaram proposta no mesmo item de pregão e seis utilizaram nas licitações o mesmo IP (espécie de registro de endereço de conexão à internet).
Também foram apontados problemas como incompatibilidade entre o porte da empresa e o valor de contratação, além de uma sócia de duas empresas que foi titular de conta bancária de outras empresas do grupo com as quais não possui nenhum vínculo (nem sócia nem empregada).
Os auditores destacaram que três empresas do grupo, a Mave Comercio e Serviços em Geral, a Phenix Comércio e Serviços em Geral e a Visionária Comércio e Serviços em Geral são ligadas ao ex-capitão expulso do Exército Márcio Vancler Augusto Geraldo.
O ex-militar foi condenado em 2019 pela Justiça Militar em um caso de corrupção, quando era membro da comissão de licitação do Instituto Militar de Engenharia (IME).
De acordo com denúncia do Ministério Público Militar, o ex-militar fez parte de um grupo que desviou R$ 11 milhões de obras do IME, em um esquema que envolveu empresas de fachada.
Vancler não foi localizado pela reportagem, assim como as telefones ligados às empresas no cadastro da Receita Federal não completaram chamada.
Elas receberam R$ 26 milhões, R$ 1,2 milhões e R$ 20 milhões, respectivamente, em contratos com a Marinha, Aeronáutica e Exército, em 2020 e 2021.
Diante das irregularidades detectadas, os auditores sugeriram uma nova fiscalização sobre estas compras, "considerando a extensão da relação de contratos firmados com o grupo econômico de sete empresas signatárias de contratações materialmente relevantes e de alto risco".
O TCU também detectou outras empresas que, apesar de não integrarem o mencionado grupo, acessaram o portal de Compras do Governo Federal a partir da utilização de IPs de unidades contratantes dos Comandos Militares.
"Tal fato constitui forte indício de direcionamento de certame, com participação de servidores públicos", ressaltaram os auditores.
O pedido foi referendado pelo ministro Walton Alencar Rodrigues, no dia 12 de dezembro, que sugeriu o encaminhamento do caso, junto com o relatório de 80 páginas, ao ministro Weder de Oliveira.
Ele já tratava do tema em outro processo, devido um pedido de representação dos deputados federais do PSB Elias Vaz, Ubirajara do Pindaré, Denis Bezerra e Gervásio Maia.
Weder de Oliveira resolveu reconhecer a representação dos deputados no final de outubro, considerando que há substantivos indícios de formação de um "clube de vendas" por essas empresas para fornecimento de alimentos a unidades militares estabelecidas no estado do Rio de Janeiro.
"O caso em questão apresenta relevância, risco e materialidade suficientes para atuação desta corte, além de ser oportuno, uma vez que as aquisições de gêneros alimentícios são contínuas e essenciais para o funcionamento das unidades militares".
O ministro também ressaltou que "há possibilidade, inclusive, de que essa sistemática esteja sendo adotada em outras unidades da federação, o que pode vir a ser comprovada pela futura auditoria que a Selog pretende realizar".
Aeronáutica aponta transparência; Exército e Marinha não respondem
A assessoria de imprensa do Ministério da Defesa respondeu, em nota, que a "administração central" da pasta não possui contratos com as referidas empresas e, por telefone, disse que as Forças Armadas possuem autonomia para fechar os seus contratos.
"Destaca-se, ainda, que os questionamentos solicitados estão baseados em relatório preliminar, que ainda será apreciado por ministros do Tribunal de Contas da União, no qual esta pasta já apresentou esclarecimentos."
"Os processos de aquisição deste ministério são realizados de forma transparente e auditados por órgãos de controle interno e externo. Identificadas quaisquer irregularidades, o ministério tomará as medidas cabíveis, incluindo a responsabilização dos envolvidos", disse o ministério.
Marinha e Exército não responderam.
Já a assessoria de Aeronáutica respondeu que, "por se tratar de processo que corre em caráter sigiloso, o Comando da Aeronáutica não teve, até o momento, acesso às suas peças, restrição processual que, entretanto, parece não haver se estendido à sua apuração jornalística".
"Ressalta-se que o Comando da Aeronáutica segue os ditames previstos na legislação em vigor e que os processos licitatórios realizados pelas Unidades Gestoras do Comaer são transparentes e com estreita observância aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, com a utilização das ferramentas institucionais e dos sistemas oficiais de compras do Governo Federal e sendo submetidas à fiscalização dos órgãos de controle interno e externo", disse.
Também afirmou que "comunicações recebidas do Controle Externo quanto a indícios de atos irregulares serão apuradas à luz da legislação e das normas em vigor".
Na Folha
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