Se você não atravessar a rua, dificilmente será atropelado. Se não entrar num avião, é improvável que uma aeronave lhe caia sobre a cabeça. Se evitar correntes de ar, estará menos sujeito a resfriados. Se gastar menos do que ganha, conseguirá poupar para os dias difíceis. Abstendo-se de prevaricar, elevará as chances de preservar a harmonia do lar. Mas há um risco contra o qual nenhum brasileiro consegue se precaver: o vazamento de dados pessoais confiados à guarda do Estado. A Vazabras tornou-se um empreendimento portentoso. Prospera nas pegadas do definhamento do Estado.
No início de dezembro, a repórter Victoria Damasceno contou na Folha que estão à venda no mercado, ao preço módico de R$ 200 por mês, senhas que conduzem a uma vitrine cibernética clandestina. Nela, estão expostas informações referentes a milhões de brasileiros. Coisa vasta. Há dados cadastrais do SUS, da Secretaria Nacional de Trânsito, da Receita Federal, do INSS, do Sistema Nacional de Armas e da Polícia Federal.
Notícia veiculada neste sábado traz uma amostra grátis da mercadoria comercializada pela equipe da Vazabras: dados pessoais das celebridades do Poder. Gente como Bolsonaro, ministros do Supremo, presidentes da Câmara e do Senado, o governador de São Paulo. Coisa fina. Inclui informações como filiação, RG, CPF, telefone e endereço. Há fotos extraídas da carteira de motorista. Em alguns casos, estão disponíveis também as assinaturas.
Esse tipo de matéria-prima tem serventia variada. Presta-se, por exemplo, à confecção de mala direta para potenciais clientes de empresas. Em mãos bandidas, podem servir para a seleção de candidatos a roubos e sequestros. De posse de malucos, também podem resultar na organização de atentados.
Não é a primeira vez que esse tipo de coisa acontece. No ano de 2000, constatou-se que vigaristas vendiam em São Paulo informações extraídas das declarações de Imposto de Renda do ano de 1996. A delinquência fez barba, cabelo e bigode. Rompeu-se o sigilo fiscal de cerca de 11,5 milhões de brasileiros —7,6 milhões de pessoas físicas e 3,9 milhões de empresas.
As informações surrupiadas deixavam o contribuinte nu, expondo-lhe a alma: renda/faturamento, ocupação/ramo de atividade, patrimônio, endereço etc. Pense num nome. Seu pai, sua tia, FHC, Vera Fischer, Ronaldinho, Zé das Couves, qualquer um. Se declarou imposto no ano de 1996, foi vítima daquela pirataria. Informou-se na época que o vazamento ocorrera no Serpro, empresa pública de tecnologia. Apertaram-se os controles.
Decorridos 21 anos, o Brasil encontra-se sob Bolsonaro, um presidente incômodo e paradoxal. Mente sobre uma hipotética insegurança das urnas eletrônicas. Queixa-se da transferência regular dos dados do Coaf que expuseram a holding familiar da rachadinha. Mas não consegue proteger da bisbilhotice alheia o certificado digital dos brasileiros.
Criado durante a ocupação militar promovida pelo general Eduardo Pazuello no Ministério da Saúde, o ConecteSUS, aplicativo das vacinas, foi apontado como vítima de um ataque hacker há oito dias. Marcelo Queiroga, o "coronel" que substituiu Pazuello, referiu-se ao estrago como coisa de "pequena monta". Nessa versão, o serviço seria restabelecido rapidamente. Quem entra no aplicativo neste sábado, recebe a informação de que terá de aguardar "até 10 dias úteis para que seu registro de vacina apareça."
No governo do capitão, proteção cibernética é assunto para o general Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional. Um auxiliar do general disse a um parlamentar que há males que vêm para o bem, pois levanrataram-se indícios de que os hackers, que invadiram os sistemas do Ministério da Saúde tiveram acesso à nuvem dos provedores por meio do login e senha de um funcionário do próprio governo.
Quem? Não se sabe. Mas o GSI, não podendo prover segurança, expediu avisos. Alertou aos ministérios que "alguns casos de intrusão têm ocorrido com o uso de perfis legítimos de administrador". Com a porta arrombada, recomendou aos administradores da "segurança cibernética" do governo que tomassem providências óbvias. Coisas assim: "bloquear imediatamente" a senha de servidores de férias ou de licença, adotar "política de privilégios mínimos" a usuários, exigir a utilização de ferramentas de autenticação mais rigorosas e reavaliar as políticas de backup.
A frase do auxiliar do general não faz nexo. Os males vêm para mal. Descobriu-se que os sistemas do governo ganharam a aparência de um queijo suíço porque o governo não consegue vigiar os ratos. Há males que vêm para pior. Instado a comentar o caso, o general Heleno soou resignado: "Esse tipo de ataque é uma coisa para a qual ninguém está totalmente preparado. Nem nós nem nenhum país do mundo. Isso vai ser uma tônica das próximas décadas."
O crime não seria organizado se o Estado que deveria combatê-lo não fosse bagunçado. O que transforma a Vazabras numa potência é a inépcia estatal.
Por Josias de Souza
Um comentário:
Após tantos governos eleitos e confirmando o dito "Todo povo tem o governo que merece", agora o povo da Banânia tem absoluta certeza:
"Todo povo tem o desgoverno e as fake news que merece".
Esperançoso e com o seu peculiar modo de ser, o povo da Banânia vai seguindo em frente, consciente que doses de humor não podem faltar durante a sua difícil caminhada.
BANÂNIA
Banânia acima de tudo!
A esperança, sua incrível força motriz
Nas glórias do passado, a certeza de um belo futuro!
Ânimo, algo imprescindível para a vida do seu povo
Na urna, o aviso, “A Banânia depende do seu voto!”
Impunidade? Líderes esclarecem, “Errar é humano”
A receita nacional, grátis? “Rir é o melhor remédio!”
AHT
20/12/2021
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