Cada vez que Bolsonaro dá uma de cachorro louco constrange as instituições do Brasil. Quando o presidente trata a Anvisa como um centro de bruxarias e declara aberta a temporada de caça às bruxas, a Procuradoria-Geral da República, o Supremo Tribunal Federal, e o Congresso Nacional precisam explicar por que proporcionam tanta impunidade a um gestor que produz provas contra si mesmo em escala industrial.
A ausência de punição produziu no Brasil um fenômeno político novo: a lamentação depois do fato. Todos os brasileiros de bom senso lamentam que Bolsonaro tenha tratado a Anvisa como um antro de bruxarias numa transmissão ao vivo pela internet. Quem ainda dispõe de dois neurônios lastima também que seguidores do presidente se tornem perseguidores, forçando a direção da Anvisa a pedir proteção policial e renovar a requisição de investigação contra os caçadores de bruxas.
Em meio a tanto lamento, perde-se a noção do essencial: Bolsonaro instalou no Brasil uma espécie de manicomiocracia. Um regime maluco em que servidores que cumprem o dever funcional de avaliar e aprovar vacinas são perseguidos por quem deveria homenageá-los. Não há justificativa plausível para a perseguição. Mas um caçador de bruxas não precisa justificar nada. Basta apontar o dedo e soltar os cachorros.
Costuma-se dizer que as instituições estão funcionando no Brasil. A cada novo surto de Bolsonaro essa afirmação é colocada em dúvida. A Procuradoria limita-se a abanar o rabo para a insanidade. A cúpula do Congresso se esfrega no balcão de emendas. O Supremo late de vez em quando, mas não morde. A impunidade transforma a insanidade de Bolsonaro num processo de desmoralização institucional.
Bolsonaro deixou de ser um presidente de reações imprevisíveis. Tornou-se tristemente previsível. Depois de converter a alvissareira aprovação de uma vacina infantil contra a Covid num problema, decidiu encrencar novamente com o Supremo.
Na sexta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski intimou o governo a fornecer, em 48 horas, explicações sobre a inclusão da vacina infantil no Plano Nacional de Imunização. Em resposta, o governo pediu mais tempo.
Enquanto a Advocacia-Geral da União preparava a resposta ao Supremo, Bolsonaro e Marcelo Queiroga jogavam lenha na fogueira. O presidente disse, no litoral paulista, que é o pai quem decide se a criança deve ou não ser vacinada. Cometeu duas impropriedades. Primeiro, esqueceu das mães. Segundo, difundiu a falsa suposição de que crianças serão levadas a força, à revelia dos pais, para os postos de vacinação.
O ministro da Saúde reiterou que é preciso realizar uma consulta pública e ouvir a opinião da câmara técnica de assessoramento sobre imunização. O público não quer ser consultado, mas orientado. Os técnicos da câmara informaram que já avalizaram a vacinação das crianças de 5 a 12 anos. Não há, portanto, nenhuma razão para transferir para janeiro o que pode ser feito imediatamente.
Ao empurrar uma providência óbvia com a barriga, o Planalto oferece a senha para que Lewandowski ordene a aquisição e distribuição da vacina. O que oferecerá a Bolsonaro material novo para repetir o velho lero-lero segundo o qual o Supremo retirou a pandemia da alçada do governo. Já se pode antever a declaração em que Bolsonaro dirá que governadores e prefeitos são responsáveis pelos hipotéticos efeitos colaterais da vacina.
É tudo enfadonhamente previsível. Primeiro, Bolsonaro negou a pandemia. Era "alarmismo" da mídia. Depois, negou o vírus. Provocaria apenas uma "gripezinha". Na sequência, negou a vacina. Transformaria os "maricas" em "jacarés". Chegou mesmo a negar os mortos, esgrimindo documento falso do TCU e incitando seus devotos a invadirem hospitais. Negou também o passaporte da vacina, sob o argumento de que é preferível morrer a perder a liberdade. Súbito, nega necessidade de imunizar as crianças. Não é por acaso que a maioria dos brasileiros sinaliza nas pesquisas a intenção de negar votos ao negacionista.
Por Josias de Souza
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