A corrupção anda tão assanhada que até o senso do ridículo sumiu no Planalto. A pretexto de celebrar o Dia Internacional contra a Corrupção, Bolsonaro convocou uma solenidade no Planalto. Anunciou um minipacote anticorrupção. O embrulho é tão diminuto que não consegue abranger a crescente perversão do governo.
São três as iniciativas: um projeto de lei e dois decretos. O projeto regulamenta o lobby. Um decreto leva à vitrine as agendas das autoridades, dando "transparência" aos compromissos. O outro oferece "proteção" a servidores que denunciarem irregularidades na administração pública.
O projeto sobre o lobby, a ser enviado para o Congresso, não foi divulgado. Mas um comunicado oficial esclareceu que a ideia é "tornar mais clara a representação privada de interesses, possibilitando, com isso, maior efetividade na repressão às condutas reprováveis".
Experimente-se aplicar essa lógica à pasta do Meio Ambiente. Ali, representantes dos interesses de desmatadores acertaram-se com o ministro para anestesiar investigações que desbarataram o maior caso de exportação ilegal de madeira da história. Pilhado num conluio com criminosos, o ministro saiu pela porta dos fundos, sob elogios do chefe. O delegado que desbaratou o crime foi destituído e rebaixado.
Num governo que decreta sigilo até para a matrícula da filha do presidente que entrou pela janela na escola militar, o decreto que impõe "transparência" à agenda das autoridades é um asterisco. Visitas convencionais identificam-se na portaria, marcam audiência e aguardam na antessala. Visitas como Valdemar, o ex-preso do mensalão, sobem pelo elevador privativo e entram sem bater.
Proteger servidores que delatam irregularidades, como propõe o segundo decreto de Bolsonaro, é uma ideia boa, muito boa, extraordinária. Agora, só falta encontrar um presidente da República que, ao receber de um servidor da Saúde a informação de que estão roubando até na compra de vacinas, acione a Polícia Federal antes de virar estrela de um inquérito por prevaricação no Supremo Tribunal Federal.
"Ser honesto não é virtude, é obrigação", declarou Bolsonaro, chefe da holding familiar da rachadinha. Segundo ele, nunca houve no país um governo com ministros tão preparados. "Ninguém pode proibir ministro meu de fazer coisa errada. Mas se tiver [corrupção] no nosso governo a jurupoca vai cantar", acrescentou o presidente, estalando de pureza moral.
Muitos se perguntavam que fim levara aquele Bolsonaro que havia sido eleito em 2018 enrolado na bandeira da guerra à corrupção. O lançamento do minipacote anticorrupção eliminou o mistério. O capitão mudou de ramo. Sem vocação para a seriedade, decidiu aventurar-se no ramo do humorismo.
Por Josias de Souza
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