Jornalistas e cinegrafistas das TVs Bahia e Aratu foram agredidos neste domingo por seguranças e apoiadores do presidente Jair Bolsonaro no município baiano de Itamaraju. A primeira é afiliada da Rede Globo; a segunda, do SBT, que pertence a Sílvio Santos, sogro de Fábio Faria, ministro das Comunicações. Como se vê, quando se trata de ataque à imprensa, não se cuida de falar nem de privilégios nem de preconceitos. Todos apanham igualmente. Como diria o filósofo Marcelo Queiroga, se preciso, a morte é mais importante do que a liberdade, muito especialmente a de imprensa. Ou, então, um pescoção. Trata-se de um ataque frontal a dois artigos da Constituição, um deles é cláusula pétrea. A questão está no Supremo, e os ministros têm de falar.
Agressões a jornalistas, físicas e verbais, viraram uma rotina nos atos de que Jair Bolsonaro participa. Resta evidente que há uma cultura da violência e da intimidação, escancaradamente incentivadas pelo próprio presidente da República. A repórter Camila Marinho, da TV Bahia, levou um mata-leão e teve sua pochete arrancada por um dos fanáticos presentes. Foi recuperada mais tarde. "Ah, Bolsonaro não pode ser responsabilizado por isso nem tem como controlar esse tipo de comportamento". Falso e falso. Como se verá.
"VOU ENFIAR A MÃO NA TUA CARA"
O momento emblemático do ataque se dá quando os jornalistas e cinegrafistas erguem microfones para ouvir o presidente, que estava sobre uma caminhonete. Os aparelhos esbarram, não mais do que isso, nos ombros de um segurança. Este, então, sem nenhum receio ou pudor, aponta o dedo para os profissionais de imprensa e afirma, em tom ameaçador:
"Se bater de novo, vou enfiar a mão na tua cara."
Bolsonaro acompanha tudo de perto. No máximo, põe a mão no braço do dito-cujo. Não chega a ser uma recomendação de calma. O "intocável", então, apontou para os próprios ombros e escandiu sílabas para os jornalistas, com raiva:
"Não bata em mim! Não bata em mim!"
Ninguém estava "batendo" nele. A autoridade, que ele buscava proteger — e é preciso saber quem é aquele senhor; pertence a que órgão do Estado? —, resolveu promover o tumulto em mais uma exposição, diga-se de passagem, arriscada. A imprensa estava ali para cumprir o seu papel: reportar o que via. Imaginem como será quando a campanha eleitoral começar para valer.
Episódios muito graves e ainda sem esclarecimento se deram durante a estadia de Bolsonaro em Roma, quando seguranças italianos, no dia 31 de outubro, avançaram contra jornalistas para tentar impedir que acompanhassem uma caminhada que o presidente fazia pelas ruas. Um profissional chegou a levar um soco. Jamil Chade, do UOL, teve o celular arrancado da mão. Foi recuperado mais tarde. Chegou a hora de o Supremo garantir um direito fundamental.
ADPF
Depois das agressões havidas na Itália, o partido Rede Sustentabilidade entrou com uma ADPF no Supremo. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental pede liminar para:
1: que a Presidência da República seja obrigada a adotar, em caráter imediato, todos os meios necessários para assegurar o livre exercício da imprensa, bem como a integridade física de jornalistas e demais profissionais da mídia durante a cobertura dos atos do Presidente;
2: que, entre os meios necessários mencionados (...), seja determinado à Presidência da República que apresente, em 48 (quarenta e oito) horas, plano de segurança para garantir a integridade física dos profissionais da imprensa que acompanham a rotina do Presidente, incluindo o destaque de profissionais do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) para a coordenação e a responsabilidade pela execução do referido plano;
3: que o Presidente da República, em suas manifestações públicas oficiais ou não oficiais, seja impedido de realizar ou de incentivar a realização de ataques verbais ou físicos à imprensa e aos seus profissionais, sob pena de responsabilização pessoal, mediante o pagamento de multa pessoal de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por ocorrência".
A petição foi protocolada no dia 4, e o relator é o ministro Dias Toffoli. Ele resolveu adotar um rito abreviado. Evitou conceder a liminar e decidiu mandar a questão diretamente ao plenário, cobrando manifestações, como é praxe, da Advocacia Geral da União e da Procuradoria Geral da República. A propósito: o ministro estabeleceu prazo de cinco dias para tanto.
A AGU já se manifestou e, claro!, defendeu a rejeição da ação porque disse não ser possível relacionar as hostilidades a atos do governo. E afirmou que as críticas de Bolsonaro à imprensa estão no escopo da liberdade de expressão. A PGR, creiam, nada disse que se saiba até agora.
Não é aceitável que jornalistas fiquem expostos à fúria de seguranças e simpatizantes do presidente quando, sabidamente, este adota uma postura hostil à imprensa, o que corresponde a um incentivo indireto para que sejam agredidos. O mandatário de turno e seus sequazes ainda não entenderam que a liberdade de imprensa não é uma licença ou uma liberalidade do poder, mas um direito assegurado duas vezes na Constituição, a saber:
Inciso XIV do Artigo 5º, que é cláusula pétrea:
"XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;"
Artigo 220:
"A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição".
Bolsonaro é o presidente, sim, mas segundo regras do jogo que lhe permitem ocupar a Presidência da República, que é um cargo público. Aquele posto pertence à democracia brasileira. Daí que só se chegue lá por intermédio de eleições. Sob o pretexto de exercer a liberdade de expressão, o mandatário não pode fazer discursos que incitem a violência contra jornalistas, mas também contra direitos fundamentais.
"Ah, mas Bolsonaro não falou nada..." Pois é. O espetáculo grotesco havido em Roma não tem ainda dois meses. E se vê que nada mudou na segurança do presidente. Ainda que não incentivasse, indiretamente, os atos violentos, estaria sendo, quando menos, omisso. Ele assistiu, mais uma vez, às agressões aos jornalistas e nada disse. Ao contrário: foi compassivo com o truculento. Depois os responsáveis pela segurança pediram desculpas. Sem essa! Quem é aquele cara que ameaça "enfiar a mão na cara" da Constituição? O que vai acontecer com ele?
ENCERRO COM O SUPREMO
É claro que o Supremo precisa cuidar da questão. Os ministros da Corte não terão como determinar o que Bolsonaro vai falar em ocasiões assim. Mas precisam deixar claro que o incitamento à hostilidade agride valores constitucionalmente protegidos.
Quanto a garantir um ambiente de segurança aos jornalistas, dizer o quê? Todos sabemos que jamais se vai trabalhar com risco zero. Mas é fato que Bolsonaro só se desloca acompanhado por um formidável aparato. Essa gente tem de atuar para ajudar a conter os exaltados. Ocorre que, como está provado, o "pessoal do presidente" faz o contrário.
Uma pergunta: qual a dificuldade de Augusto Aras para mandar uma resposta ao Supremo?
Por Reinaldo Azevedo
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