O ano novo será uma longa agonia. Antes que comece, o mais importante será saber como termina.
Em primeiro lugar, o país decidirá se ainda quer democracia. As alternativas mais ou menos autoritárias já são evidentes, como uma autocracia com traços de militarismo, religião e política mafiosa, a depender da conjuntura.
Em segundo lugar, o novo governo decidirá se vai ao menos tentar a grande mudança necessária para que se evitem mais anos de pobreza, talvez pobreza crônica, o que deve ter consequências políticas graves. Desde 2013 há sinais evidentes de revolta contra o sistema político apodrecido e fechado e com as mudanças socioeconômicas pouco profundas do regime de 1988.
Escreveu-se que o "novo governo decidirá" se vai tentar a grande mudança. Tendo o eleitor dado um mandato genérico para que se faça "alguma coisa", estará nas mãos do novo governo decidir se vai propor o choque necessário, coisa de que a maioria do eleitorado não faz ideia.
Supondo que o governo tenha consciência do drama e capacidade técnica, quais serão as condições políticas de mudar? Não é apenas questão de acordão no Congresso. Há ilusões sociais, mito de volta aos "bons tempos" e resistência forte a mudanças –ricos entrincheirados mesmo contra "reformas" (liberais). A desarticulação social e política é grande. Que forças podem apoiar um programa de mudança tão grande e imediato?
Um novo governo sensato qualquer terá, sim, de fazer mudanças que criem o básico de uma economia de mercado funcional, até para tornar possível novos modos de intervenção do Estado.
Isso quer dizer fazer uma reforma tributária que dê cabo das distorções que levam ao uso improdutivo de capital e trabalho. Quer dizer abertura comercial. Quer dizer mudanças adicionais que facilitem o investimento privado.
A mudança exige também dar um sinal crível de que o endividamento relativo do governo (relação dívida/PIB) vá se estabilizar. Se o leitor acha que o governo pode continuar a se endividar sem limite e pagar a taxa de juros que quiser, convenientes (sem fazer a explodir a inflação), por favor mande cartas para a redação com o argumento.
A mudança implica conter gastos ineficientes com funcionalismo. Implica mais impostos sobre ricos, de modo que paguem para conter o endividamento, em vez de ganhar juros com isso, e que se recupere alguma capacidade de investimento público. Implica remanejar gastos sociais (mais nisso, menos naquilo). Implica obter dinheiro para urgências (miséria aumentada, um plano de educação infantil, reforma do SUS). De início, não vai sobrar mais nada para "o social" –se tanto.
Tudo isso tem de ser proposto logo de cara e exige grande acordo. Desconversa, hesitação e procrastinação vão fazer com que o governo perca o ímpeto, que o PIB se arraste, que a insatisfação com mais empobrecimento ferva: crise feia.
Um plano de mudanças grande e crível, por outro lado, pode dar um embalo de curto prazo na economia. O país pode crescer um biênio a 3% ao ano só pela mudança de expectativa –a julgar pelas contas dos economistas, há recursos ociosos bastantes para tanto. Com mudanças andando, dá para crescer mais, no médio prazo, afora desastres no mundo lá fora.
O grande acordo vai muito além da conversa de politólogos sobre coalizões parlamentares ou de "vices confiáveis"; vai além das ilusões da esquerda e seu redistributivismo primário. É preciso enfim cooptar frações da elite, dessa elite em boa parte colaboracionista, que faz qualquer negócio, como o bolsonarismo, e que faz de conta que quer "reformas".
Vai ser uma agonia.
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