Quando 2021 começou, o ministro Paulo Guedes dizia que a economia brasileira estava iniciando uma recuperação “em V”. Jair Bolsonaro foi na contramão: “O Brasil está quebrado. Eu não consigo fazer nada. Eu queria mexer na tabela do Imposto de Renda…. Teve esse vírus, potencializado pela mídia que nós temos. Essa mídia sem caráter”.
Guedes tentou contemporizar (em relação às finanças, e não à mídia, claro). Disse que o presidente estava se referindo apenas ao setor público, em situação difícil depois dos “excessos de gastos cometidos pelos governos anteriores”. E, procurando se mostrar no controle da situação, garantiu que o auxílio emergencial só seria prorrogado se fosse possível manter o teto de gastos e que não haveria reajustes aos servidores públicos.
Numa coisa, porém, o presidente e o ministro concordavam: era preciso derrubar o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Maia tinha aprovado a reforma da Previdência que o governo queria, mas Guedes achava que ele boicotava as privatizações e a reforma tributária. Se tivessem um amigo no controle, pensavam presidente e ministro, o governo decolaria.
Eles conseguiram. No início de fevereiro, Arthur Lira (PP-AL) foi eleito, inaugurando uma nova era no Congresso. Mas o governo não decolou.
Com a prestimosa ajuda do Congresso, o Executivo acochambrou o teto de gastos. Oficializou o calote parcelado dos precatórios judiciais. Estendeu o programa de renda emergencial e acabou com o Bolsa Família, criando o Auxílio Brasil.
Também anunciou um reajuste salarial aos policiais federais, levando as outras categorias a ameaçar greve geral em pleno ano eleitoral. Para evitar um tarifaço nas contas de luz, autorizou um socorro de R$ 15 bilhões ao setor elétrico. Reforma tributária, administrativa e privatizações ficaram para as calendas.
Fora da seara econômica, Bolsonaro dilapidou as instituições de controle da corrupção, da proteção ao meio ambiente, do patrimônio histórico e do sistema educacional. Domesticou o Exército, trabalhou duro para destruir a credibilidade das nossas eleições e, no 7 de Setembro, tentou dar um golpe no Supremo Tribunal Federal.
Mas nada disso o abalou no cargo, porque Bolsonaro tinha Arthur Lira.
Empoderado pelos R$ 11 bilhões do orçamento secreto — distribuídos segundo critérios imperscrutáveis a uma lista igualmente sigilosa de parlamentares —, Lira relegou Paulo Guedes a um nível de irrelevância que Rodrigo Maia jamais pensou em conseguir. Segurando a chave da gaveta que guarda os 143 pedidos de impeachment de Bolsonaro, colocou o presidente da República na coleira.
Com ela, Lira e o Centrão deixam que Bolsonaro esbraveje contra as urnas eletrônicas, mas na hora H sepultam o voto impresso no plenário da Câmara. Deixam que vá aos palanques contra ministros do Supremo, mas nos bastidores avisam que não sustentarão quarteladas. Permitem que o presidente lance suspeitas contra a vacinação, mas, quando o eleitorado reage, afirmam que a palavra final cabe aos técnicos.
Considerando o histórico dos três anos de governo Bolsonaro, até que demorou para o Centrão tomar conta de tudo. Mas o bloco não está no poder há tantos governos à toa. Lira e seus aliados sabem exatamente o que é preciso fazer para atravessar Presidências sem perder o comando.
Se 2021 foi o ano em que o Centrão tutelou Bolsonaro, 2022 será o ano em que decidirá seu futuro. Uma decisão que dependerá de diferentes variáveis, mas principalmente do próprio presidente.
Um presidente que chega ao final de 2021 da mesma forma como entrou, agindo como se não pudesse fazer nada — quanto à tragédia das chuvas na Bahia, quanto ao aumento do funcionalismo, quanto à vacinação de crianças.
Difícil acreditar que Bolsonaro não saiba o que está fazendo. É mais provável que acredite que o casamento com o Centrão vá protegê-lo da derrota em 2022. Talvez o que lhe falte seja a noção de que, em alguns meses, com o fundo eleitoral e o orçamento secreto devidamente distribuídos, essa união poderá não ser mais tão interessante.
Será nessa hora que os aliados decidirão se continuam a trabalhar pela reeleição do presidente ou se o abandonam pela estrada, com coleira, com Paulo Guedes, com tudo.
Por Malu Gaspar em O Globo
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