quinta-feira, 16 de setembro de 2021

Um eficaz muro de contenção (Editorial do Estadão)



A suspensão da abusiva medida provisória que alterava o Marco Civil da Internet é manifestação de que a Constituição está funcionando na proteção dos cidadãos

Depois de dois anos e meio de governo, bem se sabe como Jair Bolsonaro funciona. Suas ações não são norteadas pelo interesse público, tampouco estão circunscritas aos limites institucionais do cargo. Apesar de ocupar a Presidência da República, sua perspectiva de atuação mais se assemelha à de um mau vereador. O objetivo mais amplo que Bolsonaro consegue alcançar é o de agradar a seus redutos eleitorais, valendo-se, se necessário for, de meios explicitamente esdrúxulos.

A tática pôde ser vista no dia 6 de setembro. Na véspera das manifestações governistas, Bolsonaro editou a Medida Provisória (MP) 1.068/2021, alterando o Marco Civil da Internet para restringir a exclusão de conteúdo e de perfis de usuários das redes sociais. Sem pudor, Bolsonaro usou a caneta presidencial para modificar um marco legislativo reconhecido internacionalmente por seu equilíbrio, resultado de longos anos de trabalho do Congresso.

É desalentador ver essa atuação presidencial. Trata-se do mais estrito exercício disfuncional do poder. Em vez de trabalhar para resolver os graves e urgentes problemas do País, Bolsonaro inventa novos percalços – e tudo isso para que seus seguidores possam descumprir impunemente as regras das plataformas digitais.

No entanto, deve-se reconhecer que a atuação de Bolsonaro contra os limites institucionais tem sido ineficaz. Não significa que não seja grave ou que não produza efeitos deletérios sobre o País. O fato a ser observado é que a separação de Poderes, com seu sistema de freios e contrapesos, está funcionando. As manobras de Jair Bolsonaro estão sendo devidamente interrompidas, como se constatou na terça-feira passada, com a atuação do Senado e do Supremo Tribunal Federal (STF).

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, devolveu ao Executivo a MP 1.068/2021, em razão de sua explícita inconstitucionalidade. A devolução de MP é um ato forte, usado raríssimas vezes, mas que revela a gravidade do abuso tentado por Jair Bolsonaro. A rigor, não é uma derrota política em sentido estrito – a devolução de uma MP não se baseia em eventual falta de apoio político dentro do Congresso –, mas o reconhecimento do caráter acintosamente inconstitucional da medida editada.

“Há situações em que a mera edição de medida provisória é suficiente para atingir a funcionalidade da atividade legiferante do Congresso Nacional e o ordenamento jurídico brasileiro”, disse Rodrigo Pacheco. A devolução da MP 1.068/2021 é a prova material de que Jair Bolsonaro ultrapassa os limites constitucionais do cargo que ocupa. Não é uma questão de interpretação jurídica ou de oposição política ao presidente da República. Ao alterar o Marco Civil da Internet por meio de medida provisória, Jair Bolsonaro fez o que a Constituição não lhe permite fazer.

No mesmo dia em que Rodrigo Pacheco devolveu ao Executivo a MP 1.068/2021, outro freio constitucional funcionou contra os desmandos de Jair Bolsonaro. A ministra do STF Rosa Weber deferiu medida cautelar em sete Ações Diretas de Inconstitucionalidade para suspender a eficácia da MP abusiva.

Na decisão, Rosa Weber lembrou que a Constituição proíbe a edição de MPs sobre determinadas matérias. “Tenho por inequívoca a inviabilidade da veiculação, por meio de medida provisória, de matérias atinentes a direitos e garantias fundamentais”, disse a ministra, ressaltando que a MP 1.068/2021 disciplina o exercício de direitos individuais nas redes sociais. “Estamos diante de hipótese na qual o abuso do poder normativo presidencial está, aparentemente, configurado”, afirmou.

Mais do que simplesmente recordar limites formais do cargo, a suspensão de ato abusivo do presidente da República é manifestação de que a Constituição está funcionando em seu ponto mais essencial: a proteção dos cidadãos contra os arbítrios do poder estatal. Bolsonaro fala muito em liberdade, mas atua em sentido contrário. Felizmente, existe a separação de Poderes, com instituições independentes e aptas a defender a Constituição e a liberdade.

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