quinta-feira, 9 de setembro de 2021

O País não vai se intimidar (Editorial do Estadão)



O objetivo do presidente Jair Bolsonaro ao convocar as manifestações do 7 de Setembro foi tão somente intimidar os outros Poderes constituídos. Embora tenha jurado respeitar a Constituição quando tomou posse, o presidente avisou que não pretende cumprir ordens do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), o que, na prática, significa afrontar o Supremo e a própria Constituição. E ainda desafiou, para delírio de seus adoradores: “Quero dizer aos canalhas que eu nunca serei preso”. Ressalte-se que Bolsonaro não disse que sua conduta não é criminosa. Ele apenas se recusa a se submeter a eventuais medidas judiciais restritivas de liberdade porque não reconhece, liminarmente, a legitimidade do juiz que eventualmente vier a condená-lo.

Felizmente, contudo, a julgar pelo que se vê desde que Bolsonaro assumiu a Presidência, o palavrório golpista e o espetáculo das ameaças aos outros Poderes não passam de esperneio, diante da constatação de que as bravatas bolsonaristas têm encontrado firme resistência institucional.

Em enérgico discurso como resposta ao repto de Bolsonaro, o presidente do Supremo, ministro Luiz Fux, disse que “o STF não tolerará ameaças à autoridade de suas decisões” e que, havendo desobediência por parte de um chefe de Poder, como é Bolsonaro, “além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso”. Para completar, dirigiu-se aos golpistas bolsonaristas que, incitados pelo presidente, atacam o Supremo: “Este Supremo jamais aceitará ameaças à sua independência nem intimidações ao exercício regular de suas funções”.

Tal disposição indica que, malgrado a tensão causada pelas inúmeras bravatas de Jair Bolsonaro desde que chegou ao Palácio do Planalto, a marcha golpista do presidente continuará a ser obstada pelas instituições que, exercendo sua independência constitucional, se empenham em preservar a normalidade democrática.

São muitos os casos em que o Legislativo e o Judiciário recordaram ao presidente da República seus limites constitucionais. Por exemplo, o Congresso não apenas rejeitou inúmeras medidas provisórias (MPs) editadas desde 2019, como a presidência do Senado, em junho de 2020, devolveu de pronto a MP 979/2020, sobre a nomeação de reitores, em razão de sua evidente inconstitucionalidade.

Merece menção especial o papel do Senado na contenção dos arroubos presidenciais. No mês passado, o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco, rejeitou a denúncia de Bolsonaro contra o ministro Alexandre de Moraes, em razão de ausência de justa causa. Ontem, Rodrigo Pacheco mostrou especial prudência com a suspensão das sessões deliberativas desta semana.

No STF, destacam-se três decisões especialmente relevantes para o País. No ano passado, o Supremo rejeitou a tentativa de centralização do Palácio do Planalto e, em uma defesa histórica do princípio federativo, reconheceu a competência de Estados e municípios para editar medidas relativas à saúde pública no enfrentamento da pandemia de covid-19.

Em corajosa defesa do princípio da separação dos Poderes, o STF reconheceu o dever da presidência do Senado de instaurar a CPI da Covid, uma vez que estavam preenchidos os requisitos constitucionais. Os interesses do Palácio do Planalto não poderiam prevalecer sobre a vontade dos parlamentares e, principalmente, sobre a Constituição. Essa decisão do Supremo permitiu que a população conhecesse não apenas a extensão das omissões do Palácio do Planalto, mas também como se deram algumas negociações no Ministério da Saúde.

Destaca-se ainda, no âmbito do Supremo, a manutenção das investigações sobre atos e organizações contrários ao regime democrático. Apesar das várias ameaças bolsonaristas, os trabalhos para apurar eventuais condutas ilícitas estão avançando. Ao investigar, entre outros, o presidente Bolsonaro e seus filhos, o Supremo revela a qualidade, tão valorizada na Operação Lava Jato, de que o sistema de Justiça não deve fazer distinção de pessoas. Bolsonaro pode não gostar, mas todos devem se submeter à mesma lei.

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