quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Na CPI, Luciano Hang cita informações falsas sobre doação de vacinas, BNDES e atestado de óbito da mãe



Cabo eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e defensor do tratamento precoce contra a Covid-19, o empresário catarinense Luciano Hang, dono da rede de lojas Havan, depôs na CPI da Covid no Senado nesta quarta-feira (29).

Em uma sessão tumultuada, negou fazer parte do gabinete paralelo que assessorava o governo federal. Também defendeu o tratamento precoce da Covid-19 com remédios sem eficácia comprovada.

Outros depoentes na CPI da Covid que tiveram suas declarações checadas foram o deputado federal e líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR); o reverendo Amilton Gomes de Paula; a diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, o policial militar de Minas Gerais e representante da empresa Davati Medical Supply, Luiz Paulo Dominghetti; o empresário Carlos Wizard; o deputado federal Luis Miranda; o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS); o ex-secretário-executivo do Ministério da Saúde Elcio Franco; o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga; a médica Nise Yamaguchi; o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas; a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro; e os ex-ministros da Saúde Eduardo Pazuello, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich, além do ex-chanceler Ernesto Araújo.

A Lupa verificou algumas das declarações do empresário Luciano Hang. A reportagem contatou a assessoria de imprensa da Havan a respeito das checagens e irá atualizar essa reportagem assim que tiver respostas. Confira a seguir o trabalho de verificação.

"Jamais eu iria forçar o meu funcionário a votar em alguém"

FALSO

Em setembro de 2018, Luciano Hang gravou um vídeo para os funcionários de sua rede de lojas de departamentos no qual afirma que, caso um “candidato de esquerda” vencesse as eleições presidenciais daquele ano, os 15 mil colaboradores poderiam perder o emprego. Essa conduta foi considerada um ato de coação pelo MPT (Ministério Público do Trabalho).

Na ação movida pelo MPT, o juiz Carlos Alberto Pereira de Castro, da 7ª Vara do Trabalho de Florianópolis (SC), afirmou que o empresário catarinense adotou uma postura "amedrontadora de seus empregados" ao impor ideias sobre qual candidato eleger. Na época, Hang já era conhecido como cabo eleitoral do então candidato Jair Bolsonaro.

Em outubro de 2018, a Justiça do Trabalho determinou que ele divulgasse um novo vídeo afirmando que os funcionários eram livres para votar no candidato que desejassem. No mês seguinte, novembro de 2018, o MPT de Santa Catarina pediu a cobrança de multas da empresa de Luciano Hang, mais uma vez alegando coação de funcionários. Em 2019, Hang foi condenado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) por propaganda eleitoral irregular em favor de Bolsonaro.

No vídeo que foi exibido no canal interno da empresa, Hang falou sobre o resultado de uma pesquisa realizada dentro das lojas e que indicou que 30% dos funcionários votariam nulo ou branco. “Se você não for votar, se você anular seu voto, se você votar em branco, e depois do dia 7 [de outubro] no nosso país, lamentavelmente, ganha a esquerda e nós vamos virar uma Venezuela, até eu vou jogar a toalha”.

Na sequência, ele reforça que, “se isso acontecer”, ou seja, caso um candidato da esquerda fosse eleito, a Havan iria repensar o planejamento comercial.

“Talvez a Havan não vai mais abrir lojas. Aí, se não abrir mais lojas, ou se nós voltarmos para trás, você está preparado para sair da Havan? Você está preparado para ganhar a conta da Havan? Você que sonha em ser líder, gerente, crescer com a Havan, já imaginou que tudo isso pode acabar e a Havan pode fechar as portas e demitir os 15 mil colaboradores?”

"Fiquei sabendo através da CPI que tanto o atestado de óbito quanto o prontuário da minha mãe foi pego e lá no atestado de óbito não constava Covid"

FALSO

Reportagem do G1 São Paulo mostra que a equipe de Luciano Hang já sabia que a Covid-19 não constava no atestado de óbito de sua mãe ao menos desde 11 de abril, ou seja, antes da CPI da Covid descobrir indícios de fraude no atestado de óbito de Regina Hang, ou mesmo de a comissão entrar em funcionamento —a primeira sessão foi realizada no dia 29 do mesmo mês. O portal publicou a troca de mensagens na reportagem.

Em resposta a um questionamento da GloboNews a equipe de Hang respondeu em mensagem enviada pelo WhatsApp que "a causa do óbito foram complicações de suas múltiplas comorbidades e uma infecção bacteriana. Quando ela faleceu, já havia sido curada".

O Ministério da Saúde orienta que pacientes que morreram após serem admitidos com Covid-19 tenham as possíveis complicações anotadas como consequência da doença.

"Além disso, juntamente com outros empresários, fizemos campanha para que a iniciativa privada pudesse comprar para doar [vacinas] e ajudar o país a acelerar o processo de imunização"

FALSO

Em fevereiro deste ano, Hang e Carlos Wizard lideraram um grupo de empresários interessados em comprar vacinas para o setor privado. Contudo, a ideia inicial não era doar para a população em geral, como sugeriu Hang no depoimento. A proposta dos empresários era comprar doses para imunizar funcionários das organizações que as adquirissem e, também, para serem comercializadas por farmácias e laboratórios, não para doar ao SUS.

Depois da sanção da lei 14.125 em 10 de março deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro, que regulamentou a aquisição e distribuição de vacinas por pessoas jurídicas, o empresário catarinense e Wizard chegaram a se reunir com o ministro da Economia, Paulo Guedes, para defender que o setor privado não fosse obrigado a doar vacinas para a rede pública.

A lei determinou que 100% das doses compradas pela iniciativa privada fossem direcionadas à rede pública até que os grupos prioritários no país estivessem imunizados. Depois disso, a cota da doação deveria ser de 50%.

O teor desse dispositivo legal foi criticado publicamente por Hang e a reunião com Paulo Guedes foi realizada 15 dias depois que a regra foi sancionada, em 25 de março. Depois do encontro, o ministro da Economia pediu alteração na lei e defendeu que empresários pudessem comprar doses para imunizar seus funcionários.

No mesmo dia, Hang e Wizard prometeram doar 10 milhões de doses para a rede pública. Apesar da promessa, até o momento não há qualquer registro público de que essa doação tenha sido feita ao SUS.

Em 7 de abril, depois de rápida tramitação, a Câmara dos Deputados aprovou uma proposta de alteração da lei sancionada em 10 de março. No novo texto sugerido, foi retirada a exigência de doação integral das vacinas compradas por empresas à rede pública. A proposta foi enviada para ser votada no Senado e ainda segue sem definição.

"Jamais pedi um empréstimo do BNDES"

FALSO

Entre os anos de 1993 e 2014 a Havan Loja de Departamentos recebeu 57 empréstimos do BNDES na modalidade indireta, ou seja, intermediado por outras instituições financeiras. De acordo com o BNDES, R$ 27 milhões foram emprestados em valores nominais, o equivalente a mais de R$ 70 milhões em valores corrigidos pelo IPCA.

Dos 57 empréstimos, 48 estão relacionados ao Finame (Financiamento de Máquinas e Equipamentos), um tipo de financiamento destinado exclusivamente à aquisição desses produtos. As outras nove operações de crédito estão na categoria BNDES automático.

"Aí as pessoas: 'Não, mas tem 50 e poucas notificações lá que você pegou dinheiro do BNDES'. Eu compro máquinas do Finame. Quem tem o financiamento é empresa nacional, que se financia do BNDES para vender uma máquina para nós"

FALSO

Embora a maioria dos 57 empréstimos tomados pela Havan com o BNDES tenham sido pela modalidade Finame, 9 deles foram pela modalidade BNDES Automático. Além disso, quem é financiado pelo banco de fomento nessas duas modalidades não é a empresa que vende os equipamentos, e sim a empresa que compra —nestes casos, a própria Havan.

Ao todo, 48 dos 57 empréstimos foram na modalidade Finame. Existem diferentes linhas de financiamento nesta modalidade, mas a liberação do crédito funciona da mesma maneira: a beneficiária (compradora) solicita o crédito a uma instituição financeira e apresenta uma nota fiscal do produto que quer comprar. O BNDES, então, repassa o valor ao banco que intermediará o processo. O banco, por sua vez, efetua o pagamento pelo equipamento diretamente ao fabricante do produto.

O comprador, então, se torna um devedor da instituição intermediária, que no caso da Havan, foram Badesc, Banco do Brasil, Safra, Itaú e Bradesco, dependendo do caso.

Por isso, é equivocado afirmar que o beneficiário não esteja “pegando financiamento”. Apesar do dinheiro ser imediatamente transferido para o produtor, é a compradora que deve arcar com os custos do financiamento. Ou seja, mesmo que a Havan não tenha recebido dinheiro diretamente, ela passou a dever aos bancos o valor pago pelos equipamentos. Em alguns casos, solicitou 72 meses para amortizar a dívida.

“Nesta modalidade, existem duas relações jurídicas distintas, uma entre o BNDES e o agente financeiro e outra entre o agente financeiro e a beneficiária final da colaboração”, explica o BNDES. Ou seja, não há vínculo direto entre a Havan e o BNDES, ainda que 100% dos recursos de custeio partam do banco.

Os outros nove financiamentos foram pela modalidade BNDES automático. Essa categoria também permite o financiamento para compra de máquinas, equipamentos, sistemas industriais, comercialização, produção, entre outros. Mas, diferentemente do Finame, 30% dos recursos podem ser destinados ao capital de giro das empresas. Ou seja, esta fatia não é transferida ao produtor, e sim à beneficiária, que deve usá-lo dentro dos termos do contrato.

O último financiamento contraído pela Havan foi em 2014, e não há empréstimos recentes. Todos eles já foram liquidados.

"Imperial College falava que ia morrer no ano passado no Brasil 1,5 milhão de pessoas"

FALSO

O Imperial College de Londres, universidade do Reino Unido, nunca disse que 1,5 milhão de pessoas morreriam no Brasil.

A instituição realizou dois estudos, no final de março, que simularam, com fórmulas matemáticas, possíveis desfechos da pandemia da Covid-19 a partir das ações tomadas, ou não, pelos governos.

Neles, diversos cenários diferentes foram avaliados, desde a ausência absoluta de qualquer ação de mitigação até medidas restritivas de isolamento social. A conclusão é que, a depender das ações tomadas pelo Estado brasileiro, esse número poderia estar entre 44,2 mil e 1,15 milhão.

A primeira publicação calculou diversos cenários possíveis (página 11) que poderiam acontecer em todo o mundo a partir de algumas variáveis: se nada fosse feito, se algumas medidas de mitigação fossem adotadas ou se diversas medidas como distanciamento social e testagem fossem aplicadas.

No pior dos casos, cerca de 40,6 milhões de pessoas poderiam morrer em todo o planeta. No melhor dos casos, o número cairia para 1,8 milhão de mortos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 4,7 milhões de pessoas morreram de Covid-19 até o dia 28 de setembro de 2021.

Outro estudo do Imperial College, cujos dados foram divulgados em março do ano passado e a publicação completa foi feita em julho de 2020, detalhou essas informações por país.

No caso brasileiro, foram estimadas 1,15 milhão de mortes caso o país não tomasse nenhuma medida de mitigação e supressão do vírus —o que não aconteceu.

Por outro lado, se diversas estratégias fossem usadas, como o isolamento social rigoroso, testagem em massa e rastreamento de contatos, o número de mortes poderia ser de 44,2 mil pessoas. Há outros 12 cenários testados. Até o dia 28 de setembro, 595 mil pessoas morreram no país de Covid-19, segundo o Ministério da Saúde.

"Eu posso vender arroz, feijão e tudo em todas as prefeituras. Que nós temos loja, nós temos o CNAE, de Cadastro Nacional de Atividades Econômicas, que eu posso vender alimentos"

VERDADEIRO, MAS...

Embora a Havan tenha em seu CNAE (Cadastro Nacional de Atividades Econômicas) a categoria hipermercado, que permite a venda de alimentos, entre outros itens, a rede é conhecida pelo comércio de eletrônicos, utensílios domésticos, brinquedos, roupas e artigos importados —e não pela venda de produtos alimentícios como arroz ou feijão.

No site oficial, a empresa se apresenta como loja de departamentos e a descrição dos itens à venda não inclui provisões comuns em cestas básicas. Na categoria alimentos do site, os únicos itens listados são chocolates e balas.

Em maio do ano passado, ainda no começo da pandemia, a rede passou a vender arroz, feijão, macarrão e óleo de soja, itens que, até então, não eram comuns nas prateleiras.

Essa postura foi adotada para driblar as regras de isolamento social impostas em alguns estados e municípios com o objetivo de diminuir a disseminação do novo coronavírus. Com isso, algumas lojas da rede passaram a oferecer itens considerados essenciais e, dessa forma, puderam permanecer abertas durante a quarentena.

A estratégia da rede varejista foi criticada na época. À Folha funcionários informaram que arroz e feijão passaram a aparecer nas prateleiras já durante a pandemia.

"Cinco anos atrás, eu tive que aparecer para desmentir uma onda de fake news em que diziam que a Havan era de políticos ou de filhos de políticos. (...) Na época diziam que a Havan era do filho do Lula, da filha da Dilma"

VERDADEIRO

Em 2016, afirmações falsas circularam na internet associando as lojas Havan aos familiares dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT).

À época, Hang não publicava com frequência nas redes sociais e falava com a imprensa somente durante a inauguração de lojas. Após ser associado a figuras políticas, incluindo o bispo Edir Macedo, o empresário decidiu se manifestar e, inclusive, fez um comercial de Natal com o nome “De quem é a Havan?”.

Uma das pessoas a compartilhar a desinformação foi a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP).

Em um vídeo gravado em 2015 –antes, portanto, de se tornar deputada– e compartilhado no WhatsApp, ela gravou imagens de uma das lojas da Havan e afirmou que a empresa pertenceria à filha de Dilma Rousseff, a procuradora Paula Rousseff.

“Eu fico impressionada como os filhos de presidentes no Brasil ficam milionários e se tornam grandes empreendedores”, afirmou Zambelli, em vídeo.

Ela também questionou o motivo de a loja se chamar Havan, o que na sua opinião seria uma alusão à capital de Cuba, Havana, e, ao mesmo tempo, ter uma reprodução da Estátua da Liberdade, símbolo norte-americano. Em entrevista ao Congresso em Foco, a deputada confirmou que reproduziu uma notícia falsa.​

Na Folha

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