Há um novo cabo eleitoral na praça. Seu nome é IOF. Manejando-o, Bolsonaro e Paulo Guedes perderam o nexo.
Numa entrevista televisiva que concedeu em 1999, quando ainda era estilingue e não tinha a mais remota intenção de ocupar a vidraça da Presidência da República, o então deputado Jair Bolsonaro prestou consultoria tributária à audiência:
— Conselho meu e eu faço: sonego tudo o que for possível. Se puder não pagar nota fiscal eu não pago, porque o dinheiro vai para o ralo, vai para a sacanagem.
Em 2018, já na condição de candidato e assessorado pelo Posto Ipiranga, Bolsonaro fez uma promessa em timbre categórico:
— Não vai ter aumento de imposto.
Eleito, Bolsonaro se vangloriou inúmeras vezes de não ter mordido a carteira dos brasileiros.
— Ninguém aguenta pagar mais imposto", declarou, por exemplo, em agosto do ano passado.
— Não podemos continuar sendo um dos países com a mais alta carga tributária do mundo e com a menor contraprestação de serviço, discursou há três meses, no Planalto.
Pois bem, dois dias depois de declarar que "fake news faz parte da vida" e que todos têm o direito de contar suas "mentirinhas", Bolsonaro aumentou as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras, o IOF, cobrado sobre todos os empréstimos.
Para as empresas, a alíquota passará de 1,50% para 2,04%. Para as pessoas físicas, subirá de 3,0% para 4,08%. No total, a mordida será de R$ 2,14 bilhões até dezembro.
As empresas repassarão o custo para os preços, salgando a inflação. As pessoas que trazem a corda no pescoço sentirão o aperto sufocante do nó.
Alega-se que parte da coleta, R$ 1,6 bilhão, será usada para pagar parcelas do novo Bolsa Família ainda em 2021. Beleza. Reforçar o orçamento dos brasileiros mais pobres é necessário e urgente.
O diabo é que o governo discute a providência há mais de um ano e dizia que o dinheiro viria do corte de despesas. Agora, a sociedade é punida porque Paulo Guedes e Bolsonaro não fizeram o serviço que prometeram. E não foi por falta de gordura.
Só as emendas secretas que compram a fidelidade do centrão custam ao Tesouro R$ 17 bilhões. Optou-se por tungar o contribuinte, desorganizando ainda mais uma economia já bem bagunçada.
A novidade chega num instante em que a impopularidade de Bolsonaro atinge a sua pior marca: 53% dos brasileiros desaprovam a atuação do mito.
Entre os mais pobres, membros de famílias com renda de dois salários mínimos ou menos, apenas 17% aprovam Bolsonaro; 52% avaliam seu desempenho como ruim ou péssimo.
É contra esse pano de fundo, tendo Lula no seu calcanhar e com a impopularidade a pino, que Bolsonaro acena para o eleitorado mais humilde com o chapéu alheio.
A conversão do IOF em cabo eleitoral é mais uma evidência de que a política econômica de Paulo Guedes passou a ser executada em cima do joelho, com os olhos voltados para a eleição.
Em abril de 2019, antes de completar quatro meses no Planalto, Bolsonaro já insinuava que disputaria a reeleição. Não ignorava os efeitos de sua obsessão. Ao contrário, admitia que a reeleição é "péssima" para o país, pois os governantes "se endividam, fazem barbaridade, dão cambalhota" para se reeleger.
Pois é!
Por Josias de Souza
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