Jair Bolsonaro pregou em 7 de setembro a desobediência a decisões do ministro Alexandre de Moraes, relator no STF (Supremo Tribunal Federal) de seis investigações que miram o presidente, parentes ou seu entorno há também duas em curso no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
O chefe do Executivo aparece diretamente como investigado em três das apurações que correm no tribunal: o da fake news, o da interferência no comando da Polícia Federal e o que trata do vazamento de apuração sigilosa sobre invasão hacker a sistemas eletrônicos da Justiça Eleitoral em 2018.
Não há, segundo pessoas com conhecimento dos inquéritos, decisões em aberto a exigir cumprimento imediato por parte de Bolsonaro, mas medidas são cogitadas por Moraes.
Apesar de uma nota intitulada Declaração à Nação em que o presidente afirmou ter atacado os Poderes no "calor do momento", o ministro não indicou a pessoas próximas que pretende puxar o freio de mão de nenhuma das investigações que miram Bolsonaro e aliados.
Pelo contrário. A perspectiva é que o ministro mantenha o ritmo das apurações.
Na terça-feira (7), Bolsonaro disse que não aceitaria que qualquer autoridade tome medidas ou assine sentenças fora das quatro linhas da Constituição e afirmou que descumpriria decisões de Moraes, a quem chamou de canalha.
No dia seguinte, o presidente do STF, ministro Luiz Fux, fez alerta em duro discurso na abertura da sessão da corte. Ele afirmou que a ameaça do mandatário de descumprir decisões judiciais, se confirmada, configura "crime de responsabilidade".
"Se o desprezo às decisões judiciais ocorre por iniciativa do chefe de qualquer dos Poderes, essa atitude, além de representar atentado à democracia, configura crime de responsabilidade, a ser analisado pelo Congresso Nacional", afirmou Fux.
Na quinta-feira (9), em texto redigido com ajuda do ex-presidente Michel Temer (MDB), Bolsonaro baixou o tom dos discursos de 7 de setembro. Afirmou que, apesar das qualidades do ministro como jurista e professor, "existem naturais divergências em algumas decisões [de Moraes]".
Ao contrário da anunciada desobediência diante de seus milhares de seguidores, ele afirmou que tais divergências serão resolvidas "por medidas judiciais que serão tomadas de forma a assegurar a observância dos direitos e garantias fundamentais previsto no Art 5º da Constituição".
A nota de Bolsonaro foi lida no STF com ceticismo. Integrantes do Supremo e também do TSE avaliam que é preciso aguardar para ver se o presidente "recuará do recuo".
Enquanto isso, seguem as apurações. Entre os próximos passos, está prevista para este mês a retomada do julgamento sobre o formato do depoimento que Bolsonaro fará na apuração que visa esclarecer a suspeita de que tentou mudar a cúpula da PF para proteger parentes e aliados.
O inquérito foi instaurado após o pedido de demissão do ex-ministro da Justiça Sergio Moro. O ex-juiz da Lava Jato deixou o Executivo sob o argumento de que não teria aceitado a pressão do presidente para interferir na PF.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu a abertura de investigação sobre o caso e listou oito crimes que podem ter sido cometidos: falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça, corrupção passiva privilegiada, prevaricação, denunciação caluniosa e crime contra a honra. Moro pode ser enquadrado nos três últimos e Bolsonaro, nos seis primeiros.
A Procuradoria é comandada por Augusto Aras, que neste mês renova a mandato por mais dois anos à frente do órgão.
Em relação ao inquérito das fake news, embora tramite desde 2019, a condição de investigado do chefe do Executivo é recente. A pedido do TSE, Moraes incluiu Bolsonaro entre os alvos em razão das suspeitas levantadas, sem mostrar as provas que dizia ter, sobre o sistema eleitoral.
Ações relacionadas diretamente a Bolsonaro ainda não ocorreram neste inquérito, mas elas são aguardadas.
Em uma primeira etapa, Moraes ordenou que fossem ouvidas, na condição de testemunhas, as pessoas envolvidas na live em que Bolsonaro endereçou ataques às urnas eletrônicas, entre elas o ministro da Justiça, Anderson Torres.
Bolsonaro declarou que o inquérito de Moraes é uma tentativa de intimidá-lo.
"O que nós brigamos do lado de cá e grande parte da população? Queremos eleições limpas. Não vai ser inquérito, agora na mão do senhor querido Alexandre de Moraes, para tentar intimidar; ou, lamento, o próprio TSE tomar certas medidas para investigar, me acusar de atos antidemocráticos", disse, em entrevista a uma rádio quando da inclusão dele como alvo da apuração.
É provável, segundo afirmam ministros e integrantes da PGR, que o inquérito das fake news no STF prossiga 2022 adentro, ano de eleições.
Moraes é também relator de outras apurações que envolvem parentes e apoiadores do chefe do Executivo, entre elas a da quadrilha digital, desdobramento do extinto inquérito dos atos antidemocráticos, também no Supremo.
Os investigadores buscam identificar grupo por trás de ataques à democracia na internet. Ao determinar a instauração do inquérito, aberto pela PF no mês de julho, Moraes fez menção ao próprio Bolsonaro e a seus filhos.
A frente mais recente de investigação mira os responsáveis pela mobilização e organização das manifestações de 7 de setembro. São alvos , entre outros, o cantor Sergio Reis e o caminhoneiro Marco Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão, além de associações de produtores. Alvo de uma ordem de prisão preventiva, Zé Trovão está foragido no México.
Após o feriado, sem relação direta com as investigações em curso, mas em tema de grande relevância para o bolsonarismo, Moraes devolveu para julgamento ações que contestam a política armamentista da atual administração.
A análise da matéria já havia sido iniciada pelo tribunal, mas foi interrompida por um pedido de vista do ministro. Será retomada a partir da sexta-feira (17).
ENTENDA AS INVESTIGAÇÕES
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
Fake news
A investigação iniciada em 2019 busca identificar autores de notícias falsas disseminadas nas redes sociais contra ministros do Supremo e já resultou em busca e apreensão contra apoiadores de Bolsonaro. A pedido do TSE, o ministro Alexandre de Moraes incluiu o presidente entre os alvos. É provável que a apuração prossiga 2022 adentro
Quadrilha digital
Fruto do inquérito dos atos antidemocráticos, arquivado a pedido da PGR, a apuração busca identificar grupo por trás de ataques à democracia na internet. Apoiadores do presidente são alvos, incluindo assessores palacianos do chamado gabinete do ódio. Ao determinar a apuração, Alexandre de Moraes fez menção ao próprio Bolsonaro e a seus filhos. A polícia abriu o inquérito em julho
Interferência no comando da PF
Apuração aberta após o ex-ministro da Justiça Sergio Moro atribuir a Bolsonaro tentativa de implementar mudanças na cúpula da PF com o objetivo de proteger parentes e aliados. Alexandre de Moraes determinou que a PF retome a investigação independentemente do julgamento que o STF fará em setembro para definir o modelo de depoimento que o chefe do Executivo prestará à polícia
Prevaricação no caso da vacina Covaxin
A ministra Rosa Weber determinou no início do mês de julho a abertura de inquérito para apurar a acusação feita contra o presidente Jair Bolsonaro de que ele prevaricou no caso da compra do imunizante indiano ao ser informado sobre irregularidades no processo de aquisição e não acionar órgãos de investigação
Vazamento de inquérito sigiloso
A pedido do TSE, Alexandre de Moraes mandou apurar o vazamento de informações sigilosas de inquérito instaurado em 2018 pela PF sobre uma invasão hacker a sistemas eletrônicos da Justiça Eleitoral. As informações desse inquérito foram divulgadas por Bolsonaro em live com o propósito de sustentar a acusação que faz ao sistema eleitoral
Manifestações de 7 de Setembro
Um inquérito foi aberto para apurar a mobilização e a organização dos atos realizados no Dia da Independência. São alvos o cantor Sergio Reis e caminhoneiro Marco Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão, além de associações de produtores rurais
TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL
Disparos em massa via WhatsApp
A investigação do TSE foi iniciada nas eleições de 2018 após a Folha revelar a existência de um esquema bancado por empresários apoiadores de Bolsonaro para o disparo em massa de fake news. O tribunal pediu ao ministro Alexandre de Moraes o compartilhamento das provas colhidas nos inquéritos da fake news e dos antidemocráticos
Fake news sobre urnas eletrônicas
Por sugestão do corregedor-geral eleitoral, ministro Luís Felipe Salomão, o TSE abriu um inquérito administrativo para apurar a conduta de Bolsonaro, que, sem apresentar provas, afirma que o sistema eleitoral é vulnerável a fraude.
Na Folha
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