terça-feira, 10 de março de 2020

Em meio ao caos, Bolsonaro decide cometer crime comum e de responsabilidade


O presidente num daqueles momentos em que mesmeriza a audiência com o charme intelectual e com os juízos complexos que emite sobre o Brasil e o mundo. A plateia de admiradores de Romero Britto adorou - Foto: Marco Bello/Reuters

O presidente Jair Bolsonaro não estava apelando a metáfora, a uma hipérbole ou a uma ironia. Nenhuma figura de linguagem ou de retórica poderá salvá-lo de ter de apresentar as provas do que disse.

Em evento nesta segunda, nos Estados Unidos, com o que alguns chamaram "empresários" — tratava-se, na verdade, de um ajuntamento de brasileiros em Miami que são fãs do presidente, o que é bastante compreensível —, afirmou com todas as letras que houve fraude nas urnas eletrônicas em 2018. E, agora, Augusto Aras, terá de dizer se honra o cargo que ocupa ou é apenas mais um banana entre bananas. 

Disse o presidente com todas as letras:
"Pelas provas que tenho em minhas mãos, que vou mostrar brevemente, eu fui eleito no Primeiro Turno, mas, no meu entender, teve fraude. E nós temos não apenas palavra, temos comprovado, brevemente quero mostrar, porque precisamos aprovar, no Brasil, um sistema seguro de apuração de votos. Caso contrário, passível de manipulação e de fraudes. Então acredito até que eu tive muito mais votos no segundo turno do que se poderia esperar, e ficaria bastante complicado uma fraude naquele momento."

Quando, referindo-se à suposta fraude, diz "no meu entender" e "acredito", está sendo apenas o irresponsável de sempre. Ao afirmar, de maneira peremptória, que houve um crime daquela magnitude, de que ele teria ciência e as provas, não há alternativa: ele terá de exibi-las.

Aras não tem saída: na condição de procurador-geral da República e de procurador-geral eleitoral, tem de pedir à Polícia Federal, subordinada a Sergio Moro, que abra imediatamente um inquérito para apurar a denúncia feita pelo presidente. 

Mas Bolsonaro tem as tais provas? Ainda chegarei ao ponto e exporei as implicações da afirmação feita pelo nosso "duce".

CHANTAGEM ABERTA
Sabem como é... Ali, naquele clima amigo dos tapuiasendinheirados de Miami, que têm a certeza de que o pintor-celebridade Romero Britto é muito melhor do que Picasso, o presidente estava à vontade. E aproveitou para chantagear abertamente o Parlamento.

Referindo-se à convocação do protesto do dia 15, em que seguidores seus pedirão o fechamento do Congresso e do Supremo, afirmou:
"Ontem, anteontem, troquei umas mensagens com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, falando sobre a questão do dia 15 de março que, no meu entender, é algo voluntário por parte do povo, não é contra o Congresso, não é contra o Judiciário, é a favor do Brasil que, afinal de contas, devemos obedecer e seguir o norte apontado pela população. E o que a população quer, que está em discussão lá em Brasília: não quer que o Parlamento seja o dono do destino de R$ 15 bilhões do Orçamento."

Como resta evidente, o presidente está endossando e justificando a manifestação. E foi além: disse que estaria nas mãos de Maia e Davi Alcolumbre desmobilizar os manifestantes. Como? O Congresso teria de abrir mão de uma parcela dos recursos destinada às emendas impositivas. Cumpre lembrar: Câmara e Senado já renunciaram à outra parcela de R$ 15 bilhões. Esta, de que trata Bolsonaro, fez parte de um acordo celebrado com o próprio Planalto.

Então ficamos assim:
1: o presidente diz ter provas de que houve fraude na eleição de 2018;
2: Bolsonaro impõe uma condição aos presidentes da Câmara e do Senado, interferindo no livre exercício do Poder Legislativo: ou eles abrem mão dos recursos, ou as ruas pedirão que os militares fechem Congresso e Supremo. Com o apoio do presidente.

Há uma penca de crimes aí.

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