Era uma sexta-feira, no dia 14 de maio deste ano, quando uma das apoiadoras do presidente se aproximou dele no cercadinho e pediu para mostrar um vídeo do pai, que havia falecido poucos dias antes. A cara de enfado de Bolsonaro se segue a uma pergunta impaciente: “Quanto tempo leva esse vídeo aí?”. Ela se apressa em dizer que vai ser só um minutinho, quase implorando, e ele responde com uma piada de mau gosto, debochando da filha que perdeu o pai: “Um minutinho de mulher… um minutinho de mulher e eu não viajo amanhã”, diz o presidente, rindo e olhando para o resto da plateia itinerante, que ri de volta.
Essa cena, talvez uma das mais simbólicas do que esse governo significa, faz pensar no tipo de humor que vem regendo o país. Um tipo de riso cruel que voltou a ser pauta nos últimos dias, quando o senador Flavio Bolsonaro imitou a gargalhada do pai em Brasília, num tom típico de vilão da Disney, apontando qual seria a reação do presidente diante das acusações contra ele no relatório da CPI.
São mais de 600 mil mortos, falas e ações reiteradas de negacionismo e consequências atrozes para o país, mas eles continuam rindo com deboche e crueldade. Qual o limite aqui?
Os humoristas já cansaram de responder, de mil maneiras diferentes, quais são suas visões sobre os limites do humor, mas, independente dessa resposta infinita, há uma clara diferença entre os vários tipos de risos possíveis. Dois deles que mais se chocam são o riso com afeto e o riso da crueldade.
O primeiro é aquele que faz o corpo ficar mais leve, a mente acalma, reequilibra a vida. O segundo é esse que atropela quem mais precisa de proteção e apoio.
O riso com afeto era uma característica fortíssima de Paulo Gustavo, um dos grandes humoristas que esse país já teve e que foi mais uma vítima da Covid. No sábado, comemorou-se o dia do seu aniversário, quando faria 43 anos, e muitas homenagens lembraram o quanto de amor e alegria ele espalhou. O dia 30 de outubro entrou para o calendário do estado do Rio como o Dia do Humor, em comemoração à sua vida e ao seu legado, merecidamente. Uma de suas frases mais marcantes foi projetada na fachada do Museu de Arte Contemporânea de Niterói: “Rir é um ato de resistência”.
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Essa resistência, no entanto, só pode vir do afeto, do amor, da luta contra a crueldade. Jamais virá de gente que ri do luto de uma filha, que faz piada com milhares de mortes, que gargalha de uma das maiores tragédias da nossa história.
O riso de Paulo Gustavo nos aponta um futuro de esperança. A gargalhada de Bolsonaro abre uma tampa de esgoto, bárbaro, atroz e desalmado.
Quando vemos esses dois contrastes absolutos no horizonte, é fundamental que todos se façam uma pergunta simples:
Somos um país que ri com afeto ou que ri com crueldade?
Essa resposta vai definir muito o Brasil dos próximos anos.
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