Bolsonaro acha que precisa de Arthur Lira para manter o impeachment na gaveta e fazer andar sua pauta eleitoral populista. Um pedaço da oposição avalia que precisa dele para beliscar emendas do orçamento federal paralelo, reservado aos governistas. Já Lira acredita que, sequestrando o governo e utilizando as verbas públicas do resgate para comprar a solidariedade multipartidária dos colegas, garantirá sua reeleição à Presidência da Câmara. Algo que lhe permitirá sequestrar o próximo presidente da República, seja ele quem for.
Mestre de Lira, Eduardo Cunha foi eleito presidente da Câmara em fevereiro de 2015. Sua primeira providência foi pautar e aprovar a proposta que atravessou no caminho da então presidente Dilma Rousseff o orçamento impositivo. Tornou-se obrigatório o pagamento das emendas dos parlamentares. Na sequência, a imposição foi estendida também às emendas subscritas por bancadas estaduais. A coisa foi vista como um avanço, pois o Planalto deixaria de barganhar a liberação da verba das emendas em troca de votos no Legislativo.
Em 2019, já sob Bolsonaro, surgiram as famigeradas emendas secretas. A partir de 2020, o balcão paralelo tornou-se bilionário. A distribuição das verbas foi terceirizada pelo Planalto aos comandantes da Câmara e do Senado. Lira ganhou ares de primeiro-ministro. Distribuiu a mesada de forma discricionária. Protegidos pelo anonimato, plantaram bananeira dentro dos cofres públicos de bolsonaristas a tucanos, de socialistas a liberais.
Acionado, o Supremo Tribunal Federal suspendeu os pagamentos e mandou acender a luz. Numa violação da ordem judicial, foram liberados depois da suspensão cerca de R$ 5 bilhões em emendas. Simultaneamente, colocou-se em pé uma proposta que ilumina apenas as emendas futuras. E mantém o rateio desigual das verbas. A movimentação cheira mal. Revela que, com o tempo, os apetites da facção fisiológica do Legislativo aumenta.
Em tese, a liberação das emendas é um dever do governo. Aprovado no Congresso, o Orçamento tem peso de lei, com todos os penduricalhos que os parlamentares enfiam nele. As emendas não são, em princípio, nocivas. Por vezes, destinam verbas para municípios pobres que a União esquece. Porém?
O histórico de escândalos azeitados por emendas de parlamentares faz acender uma luz vermelha. Nem toda emenda de parlamentar resulta em corrupção. Mas quase toda a corrupção carrega as emendas no seu DNA.
Algo como 80% dos 513 deputados e dos 81 senadores resumem os seus mandatos a duas tarefas. A primeira é atender aos interesses dos grupos políticos e econômicos que os elegeram. A segunda, preparar a caixa da próxima reeleição. Essas duas prioridades terminam por conduzir os deputados para o balcão.
O primeiro grande escândalo, o caso dos "Anões do Orçamento", é de 1993. O país vinha do impeachment de Fernando Collor. Itamar Franco mal assumira a Presidência quando se descobriu que também o Legislativo caminhava sobre o pântano.
Parlamentares cobravam propinas de empreiteiras e prefeituras para injetar no Orçamento da União recursos destinados a obras públicas. Criou-se uma CPI. Seis deputados tiveram os mandatos cassados. Outros quatro renunciaram. Alteraram-se as regras de elaboração do Orçamento.
Em 2007, já na gestão Lula, a "Operação Navalha" demonstrou que a mudança de normas não deteve os malfeitos. Sob supervisão do Ministério Público, a Polícia Federal gravou 585 diálogos telefônicos. Conversas vadias, que desnudaram um esquema similar ao dos anões.
A transcrição das fitas descreve o modo como o empreiteiro Zuleido Veras e a sua Gautama mordiam verbas públicas. Numa ponta, compravam-se os políticos com poder para destinar dinheiro às obras. Noutra, subornavam-se servidores públicos responsáveis pelas liberações.
Entre os anões e a navalha, houve o caso das "Sanguessugas". Nasceu em 2001, sob FHC, e explodiu em 2006, no final do primeiro reinado de Lula. Envolvia a pasta da Saúde. Na origem do roubo, de novo, as emendas.
Destinavam-se à compra de ambulâncias para prefeituras. A propina aos parlamentares era provida pela empresa Planan, que superfaturava os veículos em até 250%. Uma CPI apontou o envolvimento de 71 congressistas. Nenhum foi cassado. Mas poucos se reelegeram.
Sob Dilma, as emendas borrifaram verbas nas caixas registradoras de ONGs companheiras que inspiraram uma pseudofaxina em pastas como Esportes, Turismo e Trabalho. Além da origem parlamentar, os escândalos têm algo mais em comum: depois da tempestade vem a impunidade.
O sistema político brasileiro, como se sabe, morreu. O orçamento paralelo de Bolsonaro revela que não foi para o céu. O capitão se autoproclama um presidente limpinho. Sua imagem, já bem rachadinha, o desmente. O Brasil continua às voltas com a síndrome do quase.
A faxina quase foi alcançada quando as ruas escorraçaram Collor do poder. A higienização quase foi obtida quando cassaram-se os mandatos de meia dúzia de anões do Orçamento. A purificação quase chegou quando o Supremo mandou para a Papuda a bancada do mensalão. Sobrevieram o petrolão, o pesadelo Temer... Agora, as emendas malcheirosas de Bolsonaro.
Churchill ensinou que a democracia é o pior regime possível com exceção de todos os outros. O Brasil parece empenhado em implementar as alternativas piores. Se tivesse juízo, Bolsonaro fecharia o balcão das emendas. O brasileiro está farto de escândalos.
Por Josias de Souza
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