Cruel para os trabalhadores, especialmente para os mais de 13 milhões de desempregados, a inflação tem sido grande colaboradora do Tesouro Nacional, importante fonte de arrecadação mesmo em tempo de economia emperrada. Pela nova estimativa, incluída no quinto relatório bimestral de receitas e despesas, o poder federal deve arrecadar neste ano R$ 1,913 trilhão, R$ 57 bilhões a mais que o valor projetado em abril, R$ 1,856 trilhão. Vinte bilhões, mais que um terço desse acréscimo, devem provir da combinação de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) e inflação superior à prevista no início do ano.
A receita da União normalmente cresce mais que o produto. Esse é um dado conhecido há muito tempo. Neste ano, a arrecadação recebe também o impulso especial de um dos maiores surtos inflacionários já registrados, no Brasil, no século 21. Em 12 meses a alta de preços ao consumidor já ultrapassou 10%. A variação prevista no mercado para o período de janeiro a dezembro chegou a 10,12%, segundo a última pesquisa Focus.
A arrecadação tende a engordar, portanto, mesmo com negócios em marcha muito lenta, desemprego elevado e consumidores empobrecidos. Neste ano, a produção da indústria recuou em sete dos nove meses de janeiro a setembro, na comparação de cada mês com o imediatamente anterior. O consumo também tem oscilado, assim como a atividade do setor de serviços. No terceiro trimestre o desempenho econômico foi muito fraco, a julgar pelos números já publicados, e no segundo o PIB foi inferior ao do primeiro.
Não há, portanto, como vincular o aumento da arrecadação a um renovado dinamismo econômico. As comparações com os dados de 2020 mostram avanços econômicos mais sensíveis, por causa da base de referência muito baixa. Mas o desempenho registrado neste ano, desde o começo do segundo trimestre, tem sido medíocre. Os consumidores estão empobrecidos, o desemprego é um dos mais altos do mundo e a indústria, além de prejudicada pelas más condições do mercado interno, tem sido afetada por um fenômeno global, os desarranjos nas cadeias de suprimento de insumos.
Com receita maior e alguma contenção de gastos, o Ministério da Economia reduziu de R$ 139,43 bilhões para R$ 95,82 bilhões o déficit primário – saldo calculado sem a conta de juros – estimado para 2021. Mas, para avaliar as despesas possíveis, o Executivo continua a depender da aprovação da PEC dos Precatórios e da decisão final do Congresso a respeito do auxílio aos pobres. Se aprovada no atual formato, a PEC dos Precatórios autorizará um novo cronograma de pagamentos de compromissos sacramentados pela Justiça. Será um calote avalizado pelo Legislativo contra uma decisão final do Judiciário.
Além disso, o teto de gastos dependerá da inflação de janeiro a dezembro deste ano, em vez de ser determinado, de acordo com o critério ainda em vigor, pela variação de preços entre julho de 2020 e junho de 2021. Os novos cálculos apontam uma folga de R$ 106,1 bilhões, R$ 14,5 bilhões superior à da previsão anterior. A diferença decorre da nova taxa de inflação tomada como referência, 9,6% em vez de 8,7%. Mas a diferença poderá ser ainda maior, porque a nova estimativa do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ultrapassa 10%.
A inflação beneficia duplamente o poder federal, engordando a base tributária e elevando o teto de gastos de 2022, quando o presidente Jair Bolsonaro poderá influenciar as despesas de acordo com seus objetivos eleitorais.
As manobras para ampliar os gastos pioram as expectativas inflacionárias e afetam as projeções para 2023 (3,42%) e 2024 (3,10%). Todas as previsões da pesquisa Focus superam as metas oficiais. Já se fala, no mercado, em desancoragem das expectativas, e especialistas discutem se vale a pena apertar a política monetária, elevando ainda mais os juros e prejudicando o crescimento para controlar as expectativas de longo prazo. Pode-se discutir esse ponto, mas é preciso, sem dúvida, cuidar do desastroso cenário de 2022, já contaminado pela explosão de preços de 2021.
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